O que você precisa saber sobre redes | Módulo 11

Módulo 11

Atenção: você vai ler abaixo um texto provocativo, elaborado para estimular a conversação. Você não precisa concordar necessariamente com o conteúdo do texto provocativo e sim ficar atento às suas indagações. Todas as referências bibliográficas serão fornecidas oportunamente.

Uma das crenças mais nocivas que se espalharam sobre as redes sociais é a de que uma boa rede é composta por pessoas boas. A qualidade da rede dependeria, assim, da qualidade de seus nodos. A rede seria um somatório dos nodos. Mas o social (quer dizer, a rede social) é o coletivo dos indivíduos (com suas características intrínsecas) ou o que está entre eles?

Entretanto, todas as evidências apontam que os fenômenos que ocorrem em uma rede não dependem das características intrínsecas de seus nodos.

Quem quer entender redes deveria começar refletindo sobre a frase do físico Marc Buchanan (2007), em O átomo social:

“Diamantes não brilham por que os átomos que os constituem brilham, mas devido ao modo como estes átomos se agrupam em um determinado padrão. O mais importante é frequentemente o padrão e não as partes, e isto também acontece com as pessoas”.

A ideia de que a fenomenologia de uma rede é função das características de seus nodos (das suas ideias, consciência, conhecimentos, habilidades, valores ou preferências) ainda faz parte de uma herança cultural hierárquica difícil de ser questionada. Dizer que a fenomenologia de uma rede é função da sua topologia é um verdadeiro choque para essa cultura que encara as sociedades humanas como coleções de indivíduos e não como sistema de relações entre pessoas, como configurações de fluxos ou interações.

Sim, rede = interação. O comportamento coletivo não depende dos propósitos dos indivíduos conectados (ou de suas outras características, individualizáveis). Ele é função dos graus de distribuição e conectividade (ou interatividade) da rede.

Mas por que demoramos tanto para perceber isso? Talvez porque, enquanto olhávamos os nodos (as árvores), deixávamos de ver a rede (a floresta, ou melhor, não propriamente o conjunto das árvores, mas as relações que constituem o ecossistema (como os clones fúngicos subterrâneos, por exemplo) sem o qual as árvores – nem algumas poucas, nem muitas milhares – podem existir). Talvez porque fomos induzidos a fazer a busca errada: enquanto procurávamos um conteúdo não podíamos mesmo encontrar um padrão de interação. Talvez porque, influenciados pela máquina econômica construída pelo pensamento hobbesiano-darwiniano, enquanto tentávamos prever o comportamento coletivo a partir das preferências individuais, escapava-nos aquilo que exatamente faz do sistema algo mais do que a soma de suas partes: o social. Fixávamo-nos em objetos capturáveis, não em relações, não em fluxos. O rio no espaço-tempo dos fluxos permanecia, para nós, escondido.

Conjuntos de nodos são apenas conjuntos de nodos. Não são redes. A representação estática chamada grafo, disseminada pela SNA (Análise de Redes Sociais) não ajuda muito a compreensão da rede: pontos (vértices) ligados por traços (arestas) passam uma imagem abaixo de sofrível daquele emaranhado dinâmico de interações que constitui a essência do que chamamos de rede, sempre fluindo e alterando sua configuração. Ademais, os nodos não são propriamente pontos de partida nem de chegada de mensagens, como se fossem estações ligadas por estradas por onde algum objeto ou conteúdo vai transitar. Eles também são caminhos. Aliás, nas redes sociais, os nodos não existem como tais (como pessoas) sem os outros nodos a ele ligados, constituindo-se, portanto, cada um em relação aos demais, como caminhos de constituição disso que chamamos de ‘eu’ e de ‘outro’.

Assim, não é o conteúdo do que flui pelas suas conexões que pode determinar o comportamento de uma rede. É o fluxo geral que perpassa esse tecido ou campo, cujas singularidades chamamos de nodos, que consubstancia o que chamamos de rede. Esse fluxo geral não tem nada a ver com mensagens contidas em sinais emitidos ou recebidos: são padrões, modos-de-interagir. Se há uma mensagem (um conceito mais informacional do que comunicacional), esses padrões é que são a mensagem.

O conceito de consciência mais atrapalha do que ajuda a entender o comportamento coletivo.

O social passa ser o modo de ser humano nas redes com alta tramatura dos mundos interativos que estão emergindo. Em outras palavras, passamos a constituir um organismo humano “maior” do que nós. Passamos a compartilhar muitas vidas, com tudo o que isso compreende: memórias, sonhos, reflexões de multidões de pessoas, que ficam distribuídas por todo esse superorganismo humano (e não super-humano). Podemos, como nunca antes, ter acesso imediato a um conjunto enorme de informações e, muito mais do que isso, podemos gerar conhecimentos novos com uma velocidade espantosa e com uma inteligência tipicamente humana (não de máquinas, computadores ou alienígenas), porém assustadoramente “superior” a que experimentamos em todos os milênios pretéritos.

E tudo isso pode ocorrer sem a necessidade de termos consciência (individual) do que está se passando. Ao viver a vida da rede, apenas vivemos a convivência: não precisamos mais tentar capturá-la e introjetá-la, circunscrevê-la ou mandalizá-la para conferir-lhe a condição de totalidade, erigindo um grande poder interior de confirmação para nos completar da falta dos outros e nos orientar nos relacionamentos com eles. Tal necessidade havia enquanto podia haver a ilusão da existência do indivíduo separado de outros indivíduos; ou quando um (ainda) não era muitos. Toda consciência é consciência da separação, inclusive a consciência da unidade, da totalidade, ou da unidade na totalidade, é uma resposta à separação. No abismo em que estamos despencando ao entrar em mundos de alta interatividade, não há propriamente isso que chamávamos de consciência.

Como epígrafe de um dos capítulos de "Os filhos de Duna", o escritor de ficção Frank Herbert (1976) colocou na boca de Harq al-Ada, cronista do Jihad Butleriano (a guerra ludista contra as máquinas inteligentes):

"O pressuposto de que todo um sistema pode ser levado a funcionar melhor através da abordagem de seus elementos conscientes revela uma perigosa ignorância. Essa tem sido frequentemente a abordagem ignorante daqueles que chamam a si mesmos de cientistas e tecnólogos".

E aí?

  • augustodefranco

    Aqui, como em vários outros módulos, o participante Cassiano apagou seus comentários. Ele tinha o direito de fazer isso, claro. No entanto, como estamos recolhendo os comentários para produzir o ebook do programa, muitos diálogos acabaram ficando sem sentido, justamente porque eram respostas às suas objeções e indagações. Estamos vendo como recuperar no DISQUS todos esses comentários que foram apagados, não para publicá-los com crédito para o autor e sim para poder dar sequência e tornar inteligíveis os diálogos encetados nos campos de comentários.

  • Fatima Melca

    Uma questão: Vamos lá: Se, como eu penso, a rede social é o que que está entre as pessoas (o fluxo de interação, o padrão que a interação se auto organiza, topologia da rede e a fenomenologia da interação) … E se em outra discussão eu mencionei que não são nos nodos, nem na trilha de feromornios que a interação se estabelece,mas sim na comunicação indireta que se dá entre as pessoas e ambiente . a)Seria correto eu dizer que a rede social é o que está interagindo em fluxos constante entre pessoas e o ambiente? b)Seria correto eu dizer que a rede social se dá pelo modo de comunicação indireta entre pessoas e ambiente (stigmergia)?

    • Fernando Baptista

      Acho qua a gente não precisa pensar as pessoas separadas do ambiente (meio)… duas pessoas podem estar de mãos dadas dançando, conversando por texto em lados opostos do mundo, ou seguindo pistas deixadas por outras no jogo geocast (você conhece? acho super interessante!)… penso que se conseguirmos esquecer o que é indivíduo e o que é ambiente e tentarmos olhar para os fluxos, para aquilo que se movimenta nesse caldo, aí enxergamos mais facilmente a rede.

      • Fatima Melca

        Fernando, Não penso as pessoas separadas do ambiente. Penso que as pessoas interagem com pessoas, com ambientes e com os artefatos. O que não gosto é de pensar em pistas que se parecem com mensagens, que um passa para o outro, Prefiro pensar em uma sincronização, que quando os caminhos se cruzam, naquele momento do fluxo elas podem ficar mutuamente dependentes, mas a seguir, voltam a sua independencia, que pode ser modificada para sempre pelo cruzamento ou não. Pensoque as trocas ocorrem por comunicação indireta (stigmergia). Na rede social, não vejo individuos, vejo pessoas que interegem umas com as outras, com o ambiente, com elas , com o coletivo…

        • Fernando Baptista

          Tenho impressão que a interação, e consecutivamente o que aparece como rede, vai além da ideia de stigmergia. Porque algo só é indireto quando se estabelece uma separação, é isso que quis dizer.

          • Fatima Melca

            Fernando está sendo otimo conversar com você. Essa troca, esse concordar e discordar é que torna tudo tão dinâmico, tão rede. Não penso em te convencer que o que eu penso é o certo, isto não seria interação em rede ( conectividade e Interatividade), seria mais uma disputa de saber mais. E não sei nada e nada sei, principalmente diante de tantas incertezas. Não vejo indireto como separação. Se eu compro cd pirata, indiretamente financio a ilegalidade. Vejo mais indireto como uma falta de intencionalidade, é assim porque é. Por exemplo:se as formigas vão buscar alimento e cada vez demoram mais a voltar, então não há porque continuarem buscando nessa fonte. A demora em voltar, indiretamente faz com que passem a buscar outros caminhos. Se algo parece não estar dando certo, se muda. È do fluxo, não é separado, é assim porque é.

          • Fernando Baptista

            Também estou gostando de conversar com você, Fatima 🙂
            Sim, acho que agora entendi o sentido de indireto. Seria como dizer que algo que emerge como resultado da interação vai informar as interações futuras, é isso?

          • Fatima Melca

            Fernando, vamos lá. No meu modo de ver , quando sequencias independentes cruzam seus caminhos, elas nesse momento, se tornam mutuamente dependente, mas depois elas voltam a ser mutuamente independentes. Mas pode ser que elas, ou uma delas fique tão mexida que não volte a ser mais a mesma, mas também pode ocorrer de voltar a ser como era antes. Não se afetou, se afetou só naquele momento. Em uma rede não hierarquica, mais distribuida que centralizada, não creio que exista nada que se possa dizer é assim, vai ser assim, está previsto que seja assim. Tudo na rede é Fluzz, não sei como dizer que algo vai informar interações futuras. Futuro é futuro. Existe o momento. Existe o mergulhar e ir. Uma musica que talvez ajude: que noticias me dão dos amigos? que noticias me dão de vc?:nada será como antes, amanhã… Será?

          • Fernando Baptista

            Sim, eu concordo com você, acho que vemos rede e interação de modo bem parecido… o que me intrigou mais foi a ideia de comunicação indireta e stigmergia… entendo stigmergia em relações humanas como algo parecido com, por exemplo, a criação de um texto coletivo no google docs… alguém vai lá, escreve algo, outra pessoa complementa ou corrige, edita, e assim vai… isso acontecendo ao mesmo tempo ou com intervalos de tempo entre as intervenções… e o que sair daí serão resultados imprevistos, não planejados, pessoas talvez diferentes, e talvez um novo potencial interativo, com uma topologia de acoplamentos diferente. Quando você fala de stigmergia, seria algo assim?

          • Fatima Melca

            Fernando, sim é isso. Você pode ver também essa comunicação em sinais de transito. Tem um estudo que mostra como é regulado.Ou melhor uma auto-regulação dependendo do fluxo. Muito interessante esses estudos. Li um sobre wikis e outro sobre o transito bem interessantes. Eu penso que mesmo enquanto as pessoas estão mutuamente dependentes, os resultados são imprevisíveis. Por outro, quando vc menciona topologia de acoplamentos diferentes, não seria mais fenomenologia de interação. Porque , no meu modo de ver a topologia se refere mais a se a rede é centralizada, multi ou distribuida, e a fenomenologia, fala mais dessa interação. Isso vendo interação como acoplamentos, cruzamentos, sequencias mutuamente dependentes.O que vc acha?

          • augustodefranco

            Ou, talvez, as interações – que só existem no presente – podem ser narradas num modo passado ou num modo futuro.

  • Fatima Melca

    Entendemos a rede social, não como um repositorio de pessoas que se somam, mas o que está entre as pessoas, usam o termo “caldinho”. Eu imagino algo como um plasma (um produto, uma emergencia da interação), algo que paira, mas não em uma visão estática, algo que se modifica a todo momento em fluxos contínuos. Buchanan foi muito feliz em sua explicação. Uma dona de casa,com os mesmos ingredientes faz comidas bem diferentes. Creio que podemos dizer que é o modo como os ingredientes interagem uns com os outros. O diagrama de Baran, deixou isso bem claro, não são os nodos/as pessoas/os ingredientes é o padrão como que eles se organizam- auto organizam. Talvez, pensar que o comportamento coletivo não depende dos propósitos dos indivíduos conectados, incomode as pessoas que gostam de controle, obediência e hierarquia, pois tira do individuo as rédeas, e fortalece o coletivo e ainda com um agravante_ não fortalece o consenso, mas a liberdade de interagir e produzir sem que exista alguma liderança. A tendenciosidade é perigosa. De repente, o que estamos chamando de ” abordagem ignorante ” _ ” o pressuposto de que todo um sistema pode ser levado a funcionar melhor através da abordagem de seus elementos conscientes” _ seja mesmo o desejo de se manterem na liderança, no controle.

    • Fernando Baptista

      Acho que é por aí mesmo, Fatima. Sobre esse plasma que você mencionou, eu gosto de pensá-lo como o continuum midiático, do qual as pessoas também fazem parte, como singularidades nele imersas. A rede é o que a gente enxerga quando existe movimento (ou vida).

  • Jacques Schwarzstein

    E aí? Uauuu!!!!! Me lembra aquela visão de que, no que toca à destruição ambiental, a humanidade (por ignorância, ganância, descuido, preguiça ou o que seja) estaria se aproximando do abismo, ou seja, do fim da espécie no planeta. É uma visão assustadora, que parece fazer sentido. Não estamos mesmo “mandando muito bem”. Mas gosto daqueles, mais descontraídos que dizem que quanto mais nos aproximamos do abismo, mais nos aproximamos da salvação porque, em algum momento, diante da visão física do abismo, haverá um refluxo coletivo, movido pelo instinto de preservação, que, como em um final feliz, nos salvará do hecatombe. Um refluxo coletivo de um organismo (rede?) constituído por bilhões de pessoas e não pela ação das pessoas isoladas que atuam hoje na área ambiental. Será? Ah sim…e será a rede um organismo vivo. Cabe a analogia?

    • augustodefranco

      A rede é um “bicho-vivo”. E o abismo (da interação) não é ruim. Tem que pular no abismo. Espiar de fora para dentro do abismo nada-revela (e esse, por incrível que não-pareça, é um dos sentidos daquele nada primordial: porque no princípio era a rede). Nada se pode ver a não ser que se mergulhe na fluição. Goethe (1821) terminou com o seguinte verso o poema Eins und Alles, “tudo deve cair no nada, se quiser persistir em ser”. Tem que pular dentro – se abismar – para ver.

  • augustodefranco

    Repito uma imagem para ajudar:

  • Marcelo Yamada

    A informação de que o comportamento da rede é resultado da dinâmica das interações e não das características dos nós é muito interessante.
    Isso faz pensar (sem querer parecer um defensor incorrigível das estruturas centralizadas ou hierárquicas) que as redes podem ser manipuladas se as relações forem manipuladas. Mas isto é apenas um devaneio.
    O que realmente parece preocupante é a menor importância do indivíduo (o nó) diante das interações. Torna o indivíduo menos importante. Uma engrenagem na máquina da rede.
    O alento, entretanto, é que essa afirmação (assim, radical) também provavelmente não está correta.
    A pergunta é: de que modo as características dos indivíduos numa interação interferem no resultado da interação?

    Uma outra questão que me ocorre, e não é derivada do raciocinio acima é: a afirmação de que “o social passa ser o modo de ser humano nas redes com alta tramatura dos mundos interativos que estão emergindo” significa abdicar do eu?

    • augustodefranco

      As redes sociais são redes de pessoas, não de indivíduos. Indivíduos são abstrações estatísticas. Pessoas – seres humanos concretos – são sempre únicas. Em um módulo mais adiante vamos tratar do assunto. A questão tratada neste módulo 11 não é tão trivial. Não tem nada a ver com abdicar do eu. É exatamente o oposto.