O que você precisa saber sobre redes | Módulo 12

Módulo 12

Atenção: você vai ler abaixo um texto provocativo, elaborado para estimular a conversação. Você não precisa concordar necessariamente com o conteúdo do texto provocativo e sim ficar atento às suas indagações. Todas as referências bibliográficas serão fornecidas oportunamente.

A primeira pergunta que ouvimos de todas as pessoas interessadas em fazer qualquer coisa em rede é a seguinte: é possível organizar (na prática) um coletivo estável de pessoas em rede ou isso é apenas uma tendência (apontada pela teoria) que só será aplicável no futuro, quando toda sociedade já estiver mais conectada em rede e as pessoas estiverem mais preparadas para viver essa realidade?

Esta é uma pergunta geral que fazem (e se fazem) tanto empresários e gestores de empresas tradicionais curiosos com o tema, quanto pessoas que querem empreender socialmente em rede. Mas a maior parte das organizações que existem hoje ou que já surgiram em qualquer época na história é composta por organizações em rede. Fazendo uma brincadeira (mas é verdade), podemos dizer que essas organizações - que somam bilhões - são da categoria VESA. Diante do espanto do interlocutor vamos então esclarecer que a sigla significa "Você E Seus Amigos".

As VESAS são organizações em rede (mais distribuída do que centralizada). Não têm chefe, não têm hierarquia. Mas o fato de serem informais não significa que não sejam organizações (formas estáveis, com estrutura característica, de agrupamentos de pessoas).

Isso é significativo porque essas estruturas do tipo VESA estão presentes em todo lugar, inclusive nas organizações hierárquicas de qualquer setor. Inclusive nas empresas fortemente centralizadas elas estão lá, embaixo de várias camadas de entulho hierárquico (que foram sobrepostas pelos modelos de gestão baseados em comando-e-controle). As pessoas se conhecem, experimentam o coleguismo e se comprazem na convivência, muitas viram amigas e passam a manter relações recorrentes: namoram, vão ao cinema e ao shopping, combinam happy hours, vão ao jogo ou ao show, levam seus filhos para brincar na mesma praça ou no clube ou na praia, frequentam as casas umas das outras, planejam viagens coletivas; enfim: são pessoas interagindo de modo mais distribuído do que centralizado e quando isso acontece... acontecem as redes! Não importa o propósito: a rede é um padrão de organização, não um tipo determinado de entidade que tenha necessariamente um objetivo ou finalidade.

Em termos de quantidade não há nem como comparar essas formas estáveis de sociabilidade horizontal com aquelas que têm topologia centralizada (ou mais centralizada do que distribuída), como as entidades, instituições e organizações formais verticais do Estado, do mercado ou da sociedade civil. É outra ordem de grandeza: as primeiras são dezenas de bilhões enquanto que as segundas não passam de poucas centenas de milhões.

Então não se trata de inventar algo que ainda não existe ou que existe apenas embrionariamente. Não. A maior parte da nossa experiência de relacionamento estável, desde que existe o Homo Sapiens (há mais de 200 mil anos), se deu em estruturas mais distribuídas do que centralizadas, quer dizer, em rede.

A pergunta fundamental, então, não é por que as organizações não são em rede e sim por que existem organizações que não são em rede. O problema é que as pessoas ficam procurando "organizações hierárquicas em rede" e aí não podem achar mesmo.

Ora, para "fazer" rede não é preciso fazer quase nada. Deveríamos perguntar, portanto, o que é necessário fazer para impedir que as pessoas se relacionem horizontalmente ou de forma mais distribuída do que centralizada, porque, aí sim, é necessário fazer muita coisa. Capturar, condicionar e direcionar fluxos (os fluxos da convivência social) para erigir hierarquias é muito mais difícil do que deixar fluir.

Então! As pessoas precisam primeiro estar preparadas para viver em rede ou elas se preparam (e já se prepararam ao longo da história) vivendo em rede?

  • Marcos Bidart de Nova

    Diz um filósofo de minha terra que toda unanimidade é burra. Não compartilho da opinião de que toda rede centralizada é necessariamente uma “deformação”, nem de que toda hierarquia é por definição algo malévolo. Estamos aqui sentados diante de uma telinha criada por um coletivo hierarquizado, usando uma internet criada por um coletivo super, mas SUPER hierarquizado, muitos dirigindo automóveis produzidos por coletivos idem, morando em casas construídas por empresas idem. Me cheira à atitude de alguns amigos meus que defendem uma tal de dieta paleolítica, mas quando ficam com infecções usam antibióticos. Acho que descentralizar o que pode ser descentralizado é ótimo. Mas precisamos ter cuidado para não jogar o bebê fora junto com a roupa suja.

    • augustodefranco

      Não é malévolo, nem benévolo. É o que é. A topologia (ou a configuração da interação) não é escolhida a partir de um juízo moral de um sujeito de vontade. Que a civilização patriarcal é hierárquica, todos sabemos. Quando se fala em deformação é simples: é porque em mais de 150 mil anos de caminhada do Homo Sapiens sobre a terra, as estruturas das formas de sociabilidade foram mais distribuídas do que centralizadas em 90% do tempo. E ainda hoje, a maior parte das nossas formas estáveis de sociabilidade são mais distribuídas do que centralizadas. Não tem nem comparação com as estruturas mais centralizadas do que distribuídas (que estão na ordem de grandeza das centenas de milhões, enquanto que as primeiras perfazem dezenas de bilhões). Pois é… O olhar hierárquico, inevitavelmente, é legitimatório da hierarquia e falsifica a realidade fáctica.

      • Marcos Bidart de Nova

        Ainda não ficou claro para mim se a palavra “deformação” tem um sentido negativo como na frase: O pecado deformou o verdadeiro caráter do homem, que foi criado segundo a imagem e semelhança de Deus” (frase escolhida em dicionário) ou apenas no sentido por exemplo de mudar de forma, se modificar.

        • augustodefranco

          Deformar é empregado no sentido de alterar a configuração. Só tem um sentido negativo se acharmos que a isotropia é melhor do que a anisotropia. Pois a deformação de que se trata aqui é aquela que verticaliza o tecido social, privilegiando essa direção em detrimento das outros: o céu está em cima, precisamos nos elevar, deus é o altíssimo… et ainsi par devant!

  • augustodefranco

    O que fazer agora? Ainda estamos recolhendo material para elaborar o book, levando em conta as interações de todos. Teremos, além disso, as referências bibliográficas. E o hangout amanhã (11/11/15) às 19h. Vai ser na página: http://redes.org.br/25mitos-01-hangout/

  • Ana Lucia Procopiak

    Viver é tecer relações constantemente, é condição humana viver em rede, em agrupamentos, em feixes. o tecido social se estrutura pelo entrelaçamento de fios vitais. este entrelaçamento é conduzido por todos e cada um de nós, ou seja nos preparamos para viver em rede, vivendo em rede, nos preparamos em curso, em movimento ou em percurso, em fluxo, laçando, entrelaçando os fios da vida, como em Antonio Machado “Caminante no hay camino se hace camino al andar”. Somos todos ‘weavers’ tecelões, entrelaçadores de fios e criadores de ‘nets’, VESAS.

  • augustodefranco

    O hangout previsto para hoje foi adiado para 11/11/2015. Veja mais informações na página http://redes.org.br/25mitos-0

  • Catia Urbanetz

    “…estruturas do tipo VESA estão presentes em todo lugar, inclusive nas
    organizações hierárquicas de qualquer setor. Inclusive nas empresas
    fortemente centralizadas elas estão lá, embaixo de várias camadas de
    entulho hierárquico (que foram sobrepostas pelos modelos de gestão
    baseados em comando-e-controle)”.

    Tal afirmação é fato, tanto é que essas estruturas são reconhecidas na área de Administração de Empresas como “Estrutura Organizacional Informal”.

    Trechos do livro Sistemas, Organização & Métodos – Djalma P.R. Oliveira:

    “Estrutura Organizacional Informal: rede de relações sociais e pessoais que não é estabelecida ou requerida pela estrutura formal. Surge da interação social das pessoas, o que significa que se desenvolve, espontaneamente, quando as pessoas se reúnem. Portanto, apresenta relações que, usualmente, não aparecem no organograma”. REDE! 🙂

    “Estrutura Organizacional Formal: objeto de grande parte de estudo das organizações empresariais, é aquela deliberadamente planejada e formalmente representada, em alguns de seus aspectos, pelo organograma”.

    • Catia Urbanetz

      Completo com trechos de uma entrevista com Domenico de Masi:

      “Empresas e o trabalho na era pós-industrial

      Domenico acredita que as grandes empresas devem ter cada vez mais dificuldade de recrutar os melhores jovens para trabalhar em seus quadros de funcionários.
      Isso se dá especialmente porque as empresas, mesmo as mais modernas,
      ainda se organizam como na época industrial, de maneira hierarquizada,
      divididas em departamentos, e especialmente voltadas para os aspectos
      competitivos entre seus colaboradores.”

      “Para De Masi, o trabalho criativo ou o trabalho em que você tem
      liberdade, mesmo que seja uma atividade não artística, como o
      jornalismo, traz mais realização para este jovem pós-industrial e,
      portanto, deve “recrutar” os melhores e mais inteligentes dessa nova
      geração. Porque afinal, eles querem trabalhar com liberdade, sem ter que
      estar presente num escritório fechado por grande parte do dia.
      Essa liberdade é a fonte das grandes ideias, que De Masi entende não serem produzidas nas grandes empresas, mas especialmente fora delas,…”

      http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/branding-consumo-negocios/2015/09/17/domenico-de-masi-vivemos-num-manicomio-onde-o-homem-tem-que-ir-ate-a-informacao/

  • Catia Urbanetz

    “…estruturas do tipo VESA estão presentes em todo lugar, inclusive nas
    organizações hierárquicas de qualquer setor. Inclusive nas empresas
    fortemente centralizadas elas estão lá, embaixo de várias camadas de
    entulho hierárquico (que foram sobrepostas pelos modelos de gestão
    baseados em comando-e-controle)”.

    Tal afirmação é fato, tanto é que essas estruturas são reconhecidas na área de Administração de Empresas como “Estrutura Organizacional Informal”.

    Trechos do livro Sistemas, Organização & Métodos – Djalma P.R. Oliveira:

    “Estrutura Organizacional Informal: rede de relações sociais e pessoais que não é estabelecida ou requerida pela estrutura formal. Surge da interação social das pessoas, o que significa que se desenvolve, espontaneamente, quando as pessoas se reúnem. Portanto, apresenta relações que, usualmente, não aparecem no organograma”. REDE! 🙂

    “Estrutura Organizacional Formal: objeto de grande parte de estudo das organizações empresariais, é aquela deliberadamente planejada e formalmente representada, em alguns de seus aspectos, pelo organograma”.

    • Catia Urbanetz

      Completo com trechos de uma entrevista com Domenico de Masi:

      “Empresas e o trabalho na era pós-industrial

      Domenico acredita que as grandes empresas devem ter cada vez mais dificuldade de recrutar os melhores jovens para trabalhar em seus quadros de funcionários.
      Isso se dá especialmente porque as empresas, mesmo as mais modernas,
      ainda se organizam como na época industrial, de maneira hierarquizada,
      divididas em departamentos, e especialmente voltadas para os aspectos
      competitivos entre seus colaboradores.”

      “Para De Masi, o trabalho criativo ou o trabalho em que você tem
      liberdade, mesmo que seja uma atividade não artística, como o
      jornalismo, traz mais realização para este jovem pós-industrial e,
      portanto, deve “recrutar” os melhores e mais inteligentes dessa nova
      geração. Porque afinal, eles querem trabalhar com liberdade, sem ter que
      estar presente num escritório fechado por grande parte do dia.
      Essa liberdade é a fonte das grandes ideias, que De Masi entende não serem produzidas nas grandes empresas, mas especialmente fora delas,…”

      http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/branding-consumo-negocios/2015/09/17/domenico-de-masi-vivemos-num-manicomio-onde-o-homem-tem-que-ir-ate-a-informacao/

  • guilherme witte

    Quando e por que surge essa deformação da rede mais distribuída para a rede mais centralizada?

    • augustodefranco

      Não é possível saber quando surgiu, nem como. Só se pode especular. E afirmar que surgiu (pela força dos argumentos, não por evidências empíricas). Uma determinada configuração particularíssima se constelou (talvez não uma, mas várias vezes) e adquiriu capacidade de se reproduzir. Foi isso, não tenho muitas dúvidas. Talvez não tenha nem algum motivo racional. Pode ter sido um acidente ou vários acidentes. Pode ter acontecido por acaso, simplesmente porque poderia acontecer (e vemos que pode). Mas saber isso (as circunstâncias pretéritas em que aconteceu) não é relevante para os nossos propósitos e sim saber o que acontece quando acontece…

      • COMO SURGIU A HIERARQUIA E A DEFORMAÇÃO DA REDE?

        É um mistério, realmente. Também sinto que deve ter sido um acidente (ou vários). Podemos fazer uma avaliação matemática e estatística dessa hipótese.

        As primeiras sociedades hierárquicas parecem datar de uns 6 mil anos atrás. Então, se em 90% da história humana não há evidência de sociedades hierarquizadas, podemos pensar que durante uns 100 mil anos formaram-se inúmeras configurações de rede e cosmos sociais. Apesar de suas diferenças, do ponto de vista de rede, todas mantinham um padrão mais distribuído que centralizado/hierarquizado de vida e convivência.

        Em dado momento pode ter havido uma espécie de mutação que, por algumas particularidades, teve condições de se perpetuar e se espalhar. E como se espalhou!

        Quando uma sociedade se verticaliza, ela induz a verticalização de todo o campo social ao redor. Quer dizer, se em algum lugar nasce um Reino, Império ou um Estado, é muito difícil que comunidades próximas mantenham modos de vida não-hierárquicos. Afinal, (1) ou eles são dominados fisicamente pela força militar do Império, (2) ou se aliam a esse Império e passam a incorporar e reproduzir seu modo de organização, (3) ou se unem em uma guerra contra o Império, o que, de todo modo, acaba por também verticalizar o campo social dessas comunidades.

        A tal “mutação” (no caso, um constelamento particular de condições e relações humanas) pode ter surgido mais de uma vez. Mas a variável principal parece ser seu potencial para se manter e se espraiar.

        Aquelas comunidades humanas eram especialmente vulneráveis ao contágio hierárquico por serem clusters total ou quase totalmente isolados. Havia pouquíssimos atalhos entre clusters (comunidades), baixa polinização, baixa interatividade inter-clusters.

        Nesse sentido, hoje existem condições mais favoráveis à “desverticalização” do campo social. Conforme conversamos nos módulos passados, embora a Internet e as mídias sociais (ou quaisquer outras mídias interativas, como telefone, telégrafo, carta, etc.) não sejam a rede social, elas facilitaram a conexão e a interação entre as pessoas. Os sistemas globais de comunicação de baixo custo facilitam muito a interação entre clusters. Há polinização de ideias num nível nunca antes visto na história humana. Pipocam milhares ou milhões de iniciativas glocais, que, ao criarem novos caminhos de viva e convivência, estão distribuindo (“desverticalizando”) a topologia da rede como um todo.

        Claro: essa é uma descrição muito genérica. Uma tendência que parece fazer sentido na escala de séculos e milênios. Mas, ao mesmo tempo, existem enormes forças que induzem à centralização e escassez de caminhos por toda parte. Nada pode garantir que essa tendência geral para a distribuição, ampliação de caminhos e desverticalização vá se manter.

    • Cris Kruel

      Pois é… Talvez em algum momento remoto da nossa história, numa batalha, muitos organizados como uma rede distribuída, foram derrotados por poucos organizados no formato de uma rede hierárquica e centralizada.

      Estamos aqui inferindo que redes distribuídas serão sempre as melhores, independente do que se trata? Ou estamos dizendo que existe apenas uma “grande rede” (mother of all networks) que já existe e nem todos estamos cientes e preparados para bem viver nela?

      • augustodefranco

        Sobre estarmos ou não preparados, Cris, consulte o Módulo 12. Ôpa! É este mesmo.

    • Guilherme, fiz duas considerações sobre isso nas respostas do Marcelo e do Giovanni.

  • guilherme witte

    Quando e por que surge essa deformação da rede mais distribuída para a rede mais centralizada?

    • augustodefranco

      Não é possível saber quando surgiu, nem como. Só se pode especular. E afirmar que surgiu (pela força dos argumentos, não por evidências empíricas). Uma determinada configuração particularíssima se constelou (talvez não uma, mas várias vezes) e adquiriu capacidade de se reproduzir. Foi isso, não tenho muitas dúvidas. Talvez não tenha nem algum motivo racional. Pode ter sido um acidente ou vários acidentes. Pode ter acontecido por acaso, simplesmente porque poderia acontecer (e vemos que pode). Mas saber isso (as circunstâncias pretéritas em que aconteceu) não é relevante para os nossos propósitos e sim saber o que acontece quando acontece…

      • COMO SURGIU A HIERARQUIA E A DEFORMAÇÃO DA REDE?

        É um mistério, realmente. Também sinto que deve ter sido um acidente (ou vários). Podemos fazer uma avaliação matemática e estatística dessa hipótese.

        As primeiras sociedades hierárquicas parecem datar de uns 6 mil anos atrás. Então, se em 90% da história humana não há evidência de sociedades hierarquizadas, podemos pensar que durante uns 100 mil anos formaram-se inúmeras configurações de rede e cosmos sociais. Apesar de suas diferenças, do ponto de vista de rede, todas mantinham um padrão mais distribuído que centralizado/hierarquizado de vida e convivência.

        Em dado momento pode ter havido uma espécie de mutação que, por algumas particularidades, teve condições de se perpetuar e se espalhar. E como se espalhou!

        Quando uma sociedade se verticaliza, ela induz a verticalização de todo o campo social ao redor. Quer dizer, se em algum lugar nasce um Reino, Império ou um Estado, é muito difícil que comunidades próximas mantenham modos de vida não-hierárquicos. Afinal, (1) ou eles são dominados fisicamente pela força militar do Império, (2) ou se aliam a esse Império e passam a incorporar e reproduzir seu modo de organização, (3) ou se unem em uma guerra contra o Império, o que, de todo modo, acaba por também verticalizar o campo social dessas comunidades.

        A tal “mutação” (no caso, um constelamento particular de condições e relações humanas) pode ter surgido mais de uma vez. Mas a variável principal parece ser seu potencial para se manter e se espraiar.

        Aquelas comunidades humanas eram especialmente vulneráveis ao contágio hierárquico por serem clusters total ou quase totalmente isolados. Havia pouquíssimos atalhos entre clusters (comunidades), baixa polinização, baixa interatividade inter-clusters.

        Nesse sentido, hoje existem condições mais favoráveis à “desverticalização” do campo social. Conforme conversamos nos módulos passados, embora a Internet e as mídias sociais (ou quaisquer outras mídias interativas, como telefone, telégrafo, carta, etc.) não sejam a rede social, elas facilitaram a conexão e a interação entre as pessoas. Os sistemas globais de comunicação de baixo custo facilitam muito a interação entre clusters. Há polinização de ideias num nível nunca antes visto na história humana. Pipocam milhares ou milhões de iniciativas glocais, que, ao criarem novos caminhos de viva e convivência, estão distribuindo (“desverticalizando”) a topologia da rede como um todo.

        Claro: essa é uma descrição muito genérica. Uma tendência que parece fazer sentido na escala de séculos e milênios. Mas, ao mesmo tempo, existem enormes forças que induzem à centralização e escassez de caminhos por toda parte. Nada pode garantir que essa tendência geral para a distribuição, ampliação de caminhos e desverticalização vá se manter.

    • Cris Kruel

      Pois é… Talvez em algum momento remoto da nossa história, numa batalha, muitos organizados como uma rede distribuída, foram derrotados por poucos organizados no formato de uma rede hierárquica e centralizada.

      Estamos aqui inferindo que redes distribuídas serão sempre as melhores, independente do que se trata? Ou estamos dizendo que existe apenas uma “grande rede” (mother of all networks) que já existe e nem todos estamos cientes e preparados para bem viver nela?

      • augustodefranco

        Sobre estarmos ou não preparados, Cris, consulte o Módulo 12. Ôpa! É este mesmo.

  • Fatima Melca

    No meu entender, vivemos em rede. Sempre vivemos em redes. Experimentamos diferentes topologias e fenomenologias de rede, ao londo de nossa vida. A questão não me parece ser de estar preparado.Mas nas crenças que carregamos conosco, ou como a Rede de Significação traz, a matriz socio historica que carregamos. Quando embarcamos em uma rede mais distribuida que centralizada, estamos por conta das interações, das conexões e da interatividade. Estamos sempre no fluxo. Já em uma rede hierarquica, temos alguem que nos diz o que fazer, e se fizermos tudo certinho, provavelmente, vamos sobreviver. Todo mês receberemos nossa remuneração. Acho que fica claro, a questão da interatividade aqui. Não será preciso olhar para o monstro. E claro, isso depende da sua crença de monstro!!! A rede mais hierarquica , não tem um bicho vivo, tem um bicho controlado, que não ousa desobedecer.

  • Fatima Melca

    No meu entender, vivemos em rede. Sempre vivemos em redes. Experimentamos diferentes topologias e fenomenologias de rede, ao londo de nossa vida. A questão não me parece ser de estar preparado.Mas nas crenças que carregamos conosco, ou como a Rede de Significação traz, a matriz socio historica que carregamos. Quando embarcamos em uma rede mais distribuida que centralizada, estamos por conta das interações, das conexões e da interatividade. Estamos sempre no fluxo. Já em uma rede hierarquica, temos alguem que nos diz o que fazer, e se fizermos tudo certinho, provavelmente, vamos sobreviver. Todo mês receberemos nossa remuneração. Acho que fica claro, a questão da interatividade aqui. Não será preciso olhar para o monstro. E claro, isso depende da sua crença de monstro!!! A rede mais hierarquica , não tem um bicho vivo, tem um bicho controlado, que não ousa desobedecer.

  • Marcelo Yamada

    Ok. Todas as pessoas sabem e provavelmente exercitam regularmente o viver em rede. (A definição de VESA foi realmente muito instrutiva.)
    A pergunta anterior é mais interessante: por que as pessoas se deram ao trabalho de desenvolver uma organização hierárquica?
    Sede de poder certamente será uma resposta, mas que outros motivos – legítimos – podemos cogitar? Uma falta de propósito na vida das pessoas? A oportunidade de progresso tecnológico? A defesa contra outras comunidades (humanas ou animais) já assim organizadas?

    • augustodefranco

      Por que as pessoas teriam “sede de poder”? Visite os Yanomanis ou os Pirahãs, Marcelo. Você consegue identificar lá qualquer coisa como uma “sede de poder”? É claro que se você visitar uma sociedade hierárquica (ou também dita de dominação), encontrará pessoas lutando pelo poder. O que significa que o que chamamos de poder depende de uma configuração social (ou antissocial, como diria Maturana). E por que você quer encontrar um motivo “legítimo” para a ereção de uma organização hierárquica? Em que tal esforço se diferencia do esforço para legitimar uma organização hierárquica?

      • Marcelo Yamada

        Agradeço pelo exemplo, Augusto. Quanto à minha questão sobre motivos legítimos, quis apenas sugerir que em alguns casos podem ter existido motivos (econômicos, técnicos, emocionais) que faziam sentido no momento da criação de algumas instituições hierarquizadas.

        • Fernando Baptista

          Para quem às inventou, existiam motivos… o “legitimo” fica por conta de quem interpreta, acho.

        • Entendo seu questionamento, Marcelo. Já me perguntei muito sobre isso também e ainda não tenho uma resposta que me satisfaça.

          Mas noto que todas as respostas a essa questão têm como pano de fundo uma certa concepção do humano. Ou seja, você precisa impor sobre o humano algumas características inescapáveis que expliquem o surgimento (e perpetuação) das sociedades hierárquicas. Então é possível dizer que, dadas certas condições, é “natural” ou pelo menos esperado que haja verticalização do tecido social. Algo como:

          Condições Y + Característica(s) do humano = Hierarquização.

          Não parece haver muitas evidências que sustentem a hierarquização como resultado necessário. O problema é que toda a nossa visão de “humano” está colorida pela matriz da sociedade hierarquizada. Foi na sociedade hierarquizada que nascemos. É nela que a própria ciência nasceu. Isso distorce nosso olhar. Mesmo que busquemos evidências sobre certos comportamentos humanos recorrentes, nossa “amostra” estará viciada, porque vamos observar pessoas que vivem em campos hierárquicos. (Ao que parece, o próprio Freud reconheceu que sua teoria não poderia ser aplicada aos “primitivos”). Precisamos, no mínimo, de olhares comparativos com sociedades não-hierárquicas, como os Yanomanis ou os Pirahãs, mas existem muitas dificuldades nisso também. A busca pelo “humano” ainda tem muitos mistérios, e a nova ciência das redes trouxe contribuições que mudam o jeito de pensar sobre isso. Mas as consequências teóricas disso tudo ainda estão sendo exploradas.

          Portanto, é uma questão ainda em aberto. Mas, quanto ao surgimento da hierarquia, eu me inclino à hipótese de uma espécie de “mutação” que se perpetuou. Falo sobre isso no outro comentário a este módulo. Veja lá.

          Abraço

          • Giovanni, fiz uma consideração acima, mas complemento aqui: a evidência que para mim sustenta a hierarquização como resultado necessário é nossa capacidade de ter uma “opinião formada sobre tudo”. Por opinião, entenda-se o simples gostar ou não, o que agrada ou não, os quereres no estado mais puro, por assim dizer. Aplicados em grupo, os quereres individuais são a semente que abrem o caminho para a existência da hierarquia, algo que, aliás, nem é tão nocivo assim, sob determinadas circunstâncias. Não?

          • Cassiano,

            A existência de uma mente discriminativa e opinativa no ser humano não tem nenhuma relação com a emergência da hierarquia. Pelo menos, eu não consigo ver essa conexão. Se você vê, por favor, desenvolva melhor seu raciocínio.

            Essas capacidades cognitivas de discriminação e elaboração de opiniões estão presentes em nós desde o início da nossa espécie há 100-200 mil anos atrás. No entanto, a hierarquia só surgiu há 6 mil anos. Por que não surgiu antes? Durante dezenas de milênios houve sociedades em que as pessoas tinham suas preferências e opiniões, e mesmo assim a hierarquia não surgiu ali. Como explicar isso?

            Outro ponto curioso a se considerar é que a opinião é justamente uma das bases da democracia — a principal “invenção” que surgiu como alternativa à dinâmica autocrática (associada à estrutura hierárquica) nas sociedades patriarcais. Os gregos foram os primeiros a entender a Doxa (opinião) como critério de um modo de regulação democrático, não baseado na dominação, e sim no exercício da discussão/diálogo para a formação de um sentido público.

            A hierarquia não tem nada a ver com preferência e opiniões, nem com saber discernir, diferenciar, sequenciar e discriminar coisas. Ela é uma operação social que produz poder e escassez de caminhos. Hierarquia (e, mais precisamente, autocracia) é o que torna possível justamente excluir, deslegitimar e até punir o emissor de certas opiniões. É o bloqueio de fluxo que impõe às pessoas obedecer a um poder ou ordem pré-estabelecida.

            Se você vê alguma conexão causal, Cassiano, por favor, demonstre como a simples existência de preferências pode dar margem à configuração de hierarquias sociais. Eu não vejo como.

          • Giovanni, talvez o ruído venha do meu entendimento de hierarquia: se escolho um bisão para pintar na parede, estou colocando essa informação no topo das minhas prioridades. Meu entendimento é similar à hierarquia editorial, nada tem a ver com o uso da hierarquia como expressão de poder. Hierarquia no meu contexto é a expressão desse querer, dessa percepção de que um bisão é mais importante do que o fato da lua desaparecer e reaparecer regularmente no céu.

            Assim, se quero um determinado resultado, tomo decisões que para mim fazem sentido: decido pintar bisões ou o grupo decide isso numa conversa de grunhidos ao redor do fogo. Mas ao interagir na conversa e defender bisões em oposição à lua, estou hierarquizando, ou seja, definindo uma info ou decisão em detrimento de outra. Ou então simplesmente vou lá e desenho.

            Nada a ver com poder, algo que, sim, talvez tenha acontecido em algum momento há 6 mil anos. Mas esse setup já estava dado, é nesse sentido que vejo uma potencial conexão. Espero ter esclarecido.

          • augustodefranco

            Então talvez seja melhor escolher outra palavra, Cassiano. O termo (hierarquia) surgiu para designar ordens de seres intermediários entre entidades celestes e terrestres (e foi usado, por exemplo, por Pseudo-Dionísio, o Areopagita, no século 5, para designar os coros angélicos).

            A palavra hierarquia vem da palavra latina hierarquia que, por sua vez, vem da palavra grega ἱεραρχία (hierarchía), de ἱεράρχης (hierarchēs), aquele que era encarregado de presidir os ritos sagrados: ἱερεύς = hiereus, sacerdote, da raiz ἱερός = hieros, sagrado + ἀρχή = arché, tomada em várias acepções conexas como as de poder, governo, ordem, princípio (organizativo).

            A hierarquia é um poder sacerdotal vertical que se instala em uma sociedade instituindo artificialmente a necessidade da intermediação por meio de separações (entre superiores e inferiores). Em geral é representada pela pirâmide (poucos em cima e muitos em baixo) ou pela aranha (que tem uma cabeça e vários braços ou pernas, em oposição a uma estrela-do-mar, que não tem centro de comando e controle). A hierarquia celeste (com seus serafins, querubins, tronos, dominações, potestades, virtudes, principados, arcanjos e anjos) e a hierarquia militar (com generais, coronéis, majores, capitães, tenentes, sargentos, cabos e soldados) são os exemplos mais comuns, paradigmáticos, de hierarquia. Mas qualquer padrão de organização que introduz anisotropias no campo social direcionando fluxos é hierárquico (seja em uma organização estatal, empresarial ou social, religiosa ou laica, militar ou civil).

          • acabei de levantar essa possibilidade no outro post! 🙂

          • Isso aí! 🙂

          • Esclareceu, Cassiano. Estamos dando significados distintos para a palavra hierarquia. Se for um ordenamento de preferências, pode até ser que seja mesmo parte da natureza humana. Não tenho certeza, mas é possível .

            Já a hierarquia social no sentido que damos aqui, como padrões que centralizam a rede, bloqueiam caminhos e instauram a dominação de uns sobre outros — isso não me parece de modo algum inescapavelmente ligado à nossa “natureza”.

          • pois é, o Augusto também sugeriu isso, trocar de palavra 🙂 Parece aquela música do Rumo, do Tati: http://bit.ly/essapalavra.

            ah…

          • rá, mas a quarta acepção do Houaiss me entende…:)

            Derivação: sentido figurado.
            classificação, de graduação crescente ou decrescente, segundo uma escala de valor, de grandeza ou de importância

          • Marcelo Yamada

            Interessante você ter relembrado o termo “mutação “. Nos vídeos sobre as formigas, a explicação sobre as diferenças de comportamentos entre formigas de regiões diferentes estava na seleção natural, que privilegiou aquelas espécies cujos membros tinham os hábitos individuais mais adequados ao contexto.
            E se a organizarão hierárquica de certos agrupamentos humanos for resultado de seleção natural? A convivência em redes distribuídas seria um resquício do passado, não necessariamente o futuro.
            A não ser que a democratização da tecnologia da informação e comunicação seja o equivalente a uma Era Glacial – após a qual as vantagens competitivas existentes até então podem perder completamente o sentido.

          • Marcelo,

            A hipótese da seleção natural já é insuficiente para explicar a evolução biológica. Me parece ainda menos adequada para explicar derivas humanas.

            Como disse antes, creio que a hierarquia possa ser vista como uma espécie de mutação que se perpetuou. Isso não implica que ela seja uma resposta adaptativa. Só significa que ela é uma variação capaz de se produzir e reproduzir. Me parece que uma das características da hierarquia é produzir o seu próprio ambiente. Não é que ela se adapte a um ambiente. Ela recria, reprograma, modifica o ambiente humano em que se perpetua.

            O padrão distribuído não pode ser considerado algo “do passado”, simplesmente porque ele nunca deixou de existir, mesmo em sociedades hierarquizadas. Olhando globalmente, a hierarquia é uma exceção, uma discrepância em um mar de padrões mais distribuídos. Aqui não vai nenhum julgamento de valor sobre o que é melhor ou pior. É simplesmente uma constatação. A hierarquia não conseguiu avançar tanto assim, pois teria provavelmente inviabilizado a vida humana.

            Os avanços e recuos da hierarquia não seguem um padrão linear. Não acredito em uma seta da História apontando uma tendência certa e irrefreável. Creio que existem múltiplas contingências e situações locais que se interinfluenciam para criar o quadro geral de qualquer dado momento. As variáveis são muitas e a qualquer momento as tendências podem se inverter.

          • augustodefranco

            Bem dito, Giovanni!

          • guilherme witte

            Acho q estamos nesse momento de percepção do padrão distribuído como uma realidade.

        • Marcelo, a hierarquização é uma tendência ao meu ver inerente às civilizações porque pessoalmente nós hierarquizamos tudo a todo instante. Parece-me um motivo plausível e nada a ver com poder. É apenas uma expressão do querer. Em certos contextos, claro que isso gera distorções, inclusive de dominação e poder.

    • Marcia Borges

      Marcelo, desculpe-me pelo fato de repetir o Barry Schwartz , mas achei muito pertinente o speech dele no TED , não exatamente sobre sua questão, do qual compartilho,ma acredito estar relacionada ao tema:

      “Como é que permitimos que a maioria das pessoas no planeta faça trabalhos monótonos, sem sentido e sufocantes? Por que é que ao longo do desenvolvimento do capitalismo ele criou um modo de produção de bens e serviços, nos quais as satisfações não materiais que vêm do trabalho foram eliminadas? Trabalhadores que fazem esse tipo de trabalho, seja em fábricas, em centrais de atendimento, ou em armazéns, o fazem pelo pagamento. Com certeza, não há outra razão para que façam o que fazem, exceto pelo pagamento.

      Então a pergunta é: “Por quê?” E aqui está a resposta: a resposta é tecnologia. Agora, eu sei… sim, tecnologia, automação, estraga as pessoas, blá blá..[…]

      Estou falando de outra tecnologia. Estou falando da tecnologia das ideias. Chamo de “tecnologia da ideia”. […]
      Além de criar coisas, a ciência cria ideias. A ciência cria meios de entendimento. E nas ciências sociais, os meios de entendimento que são criados, são meios de nos entendermos. E eles têm uma influência enorme em como pensamos, o que almejamos ser, e como agimos.

      Se você acha que sua pobreza é a vontade de Deus, você reza. Se você acha que sua pobreza é resultado da sua inadequação, você se desespera. E se você pensa que sua pobreza é o resultado de opressão e dominação, então você se ergue em revolta. Se sua resposta à pobreza é resignação ou revolução, depende de como você entende as origens da sua pobreza. Esse é o papel que as ideias têm em nos moldar como seres humanos, e é por isso que a “tecnologia da ideia” pode ser a tecnologia mais importante que a ciência nos dá.

      E há algo de especial sobre a “tecnologia da ideia”, que a faz diferente da tecnologia das coisas. Com as coisas, se a tecnologia é um saco, ela simplesmente some, certo? Tecnologia ruim desaparece. Com ideias, falsas ideias sobre seres humanos não vão embora, se as pessoas acreditarem que são verdade. Porque se as pessoas acreditam que são verdade, elas criam maneiras de viver e instituições que são consistentes com essas ideias falsas.[…]

  • Marcelo Yamada

    Ok. Todas as pessoas sabem e provavelmente exercitam regularmente o viver em rede. (A definição de VESA foi realmente muito instrutiva.)
    A pergunta anterior é mais interessante: por que as pessoas se deram ao trabalho de desenvolver uma organização hierárquica?
    Sede de poder certamente será uma resposta, mas que outros motivos – legítimos – podemos cogitar? Uma falta de propósito na vida das pessoas? A oportunidade de progresso tecnológico? A defesa contra outras comunidades (humanas ou animais) já assim organizadas?

    • augustodefranco

      Por que as pessoas teriam “sede de poder”? Visite os Yanomanis ou os Pirahãs, Marcelo. Você consegue identificar lá qualquer coisa como uma “sede de poder”? É claro que se você visitar uma sociedade hierárquica (ou também dita de dominação), encontrará pessoas lutando pelo poder. O que significa que o que chamamos de poder depende de uma configuração social (ou antissocial, como diria Maturana). E por que você quer encontrar um motivo “legítimo” para a ereção de uma organização hierárquica? Em que tal esforço se diferencia do esforço para legitimar uma organização hierárquica?

      • Marcelo Yamada

        Agradeço pelo exemplo, Augusto. Quanto à minha questão sobre motivos legítimos, quis apenas sugerir que em alguns casos podem ter existido motivos (econômicos, técnicos, emocionais) que faziam sentido no momento da criação de algumas instituições hierarquizadas.

        • Fernando Baptista

          Para quem às inventou, existiam motivos… o “legitimo” fica por conta de quem interpreta, acho.

        • Entendo seu questionamento, Marcelo. Já me perguntei muito sobre isso também e ainda não tenho uma resposta que me satisfaça.

          Mas noto que todas as respostas a essa questão têm como pano de fundo uma certa concepção do humano. Ou seja, você precisa impor sobre o humano algumas características inescapáveis que expliquem o surgimento (e perpetuação) das sociedades hierárquicas. Então é possível dizer que, dadas certas condições, é “natural” ou pelo menos esperado que haja verticalização do tecido social. Algo como:

          Condições Y + Característica(s) do humano = Hierarquização.

          Não parece haver muitas evidências que sustentem a hierarquização como resultado necessário. O problema é que toda a nossa visão de “humano” está colorida pela matriz da sociedade hierarquizada. Foi na sociedade hierarquizada que nascemos. É nela que a própria ciência nasceu. Isso distorce nosso olhar. Mesmo que busquemos evidências sobre certos comportamentos humanos recorrentes, nossa “amostra” estará viciada, porque vamos observar pessoas que vivem em campos hierárquicos. (Ao que parece, o próprio Freud reconheceu que sua teoria não poderia ser aplicada aos “primitivos”). Precisamos, no mínimo, de olhares comparativos com sociedades não-hierárquicas, como os Yanomanis ou os Pirahãs, mas existem muitas dificuldades nisso também. A busca pelo “humano” ainda tem muitos mistérios, e a nova ciência das redes trouxe contribuições que mudam o jeito de pensar sobre isso. Mas as consequências teóricas disso tudo ainda estão sendo exploradas.

          Portanto, é uma questão ainda em aberto. Mas, quanto ao surgimento da hierarquia, eu me inclino à hipótese de uma espécie de “mutação” que se perpetuou. Falo sobre isso no outro comentário a este módulo. Veja lá.

          Abraço

    • Marcia

      Marcelo, desculpe-me pelo fato de repetir o Barry Schwartz , mas achei muito pertinente o speech dele no TED , não exatamente sobre sua questão, do qual compartilho,ma acredito estar relacionada ao tema:

      “Como é que permitimos que a maioria das pessoas no planeta faça trabalhos monótonos, sem sentido e sufocantes? Por que é que ao longo do desenvolvimento do capitalismo ele criou um modo de produção de bens e serviços, nos quais as satisfações não materiais que vêm do trabalho foram eliminadas? Trabalhadores que fazem esse tipo de trabalho, seja em fábricas, em centrais de atendimento, ou em armazéns, o fazem pelo pagamento. Com certeza, não há outra razão para que façam o que fazem, exceto pelo pagamento.

      Então a pergunta é: “Por quê?” E aqui está a resposta: a resposta é tecnologia. Agora, eu sei… sim, tecnologia, automação, estraga as pessoas, blá blá..[…]

      Estou falando de outra tecnologia. Estou falando da tecnologia das ideias. Chamo de “tecnologia da ideia”. […]
      Além de criar coisas, a ciência cria ideias. A ciência cria meios de entendimento. E nas ciências sociais, os meios de entendimento que são criados, são meios de nos entendermos. E eles têm uma influência enorme em como pensamos, o que almejamos ser, e como agimos.

      Se você acha que sua pobreza é a vontade de Deus, você reza. Se você acha que sua pobreza é resultado da sua inadequação, você se desespera. E se você pensa que sua pobreza é o resultado de opressão e dominação, então você se ergue em revolta. Se sua resposta à pobreza é resignação ou revolução, depende de como você entende as origens da sua pobreza. Esse é o papel que as ideias têm em nos moldar como seres humanos, e é por isso que a “tecnologia da ideia” pode ser a tecnologia mais importante que a ciência nos dá.

      E há algo de especial sobre a “tecnologia da ideia”, que a faz diferente da tecnologia das coisas. Com as coisas, se a tecnologia é um saco, ela simplesmente some, certo? Tecnologia ruim desaparece. Com ideias, falsas ideias sobre seres humanos não vão embora, se as pessoas acreditarem que são verdade. Porque se as pessoas acreditam que são verdade, elas criam maneiras de viver e instituições que são consistentes com essas ideias falsas.[…]