O que você precisa saber sobre redes | Módulo 18

Módulo 18

Atenção: você vai ler abaixo um texto provocativo, elaborado para estimular a conversação. Você não precisa concordar necessariamente com o conteúdo do texto provocativo e sim ficar atento às suas indagações. Todas as referências bibliográficas serão fornecidas oportunamente.

Essa ideia nasce, principalmente, da inconformidade dos professores com os conteúdos que circulam livremente pelas redes, sobretudo nas mídias sociais, mas também na Wikipedia e na Web em geral, aos quais se tem acesso por cada vez mais eficientes mecanismos de busca. Como tudo está disponível - desde papers científicos sérios à opiniões não abalizadas, crendices, ideologias variadas, pornografia, textos contendo falsos juízos sobre qualquer coisa, charlatanices e falsificações, ideias manipuladas e sistemas de hipóteses manipuladoras, propaganda enganosa etc. - algumas pessoas sentem falta do velho tribunal epistemológico capaz de separar o que é bom do que é ruim, o que é válido do que não é, o que deveria ser permitido do que deveria ser proibido. O problema é que elas pensam em alguma instância que possa fazer isso centralizadamente e como tal instância não existe (e é impossível instituí-la a esta altura) elas pensam numa estrutura descentralizada onde vários centros fariam esse papel de julgar, aprovando o que é bom e condenando (e eliminando) o que é mau.

Elas, não raro, se investem nesse papel de "professor da rede".

Em geral essas pessoas não percebem ou não conseguem entender que o fato da interação ser possível também torna possível a construção distribuída da avaliação de conteúdo. Uma ideia falsa, uma mentira, um boato, se espalharão rapidamente pela rede, mas também se espalharão tão ou mais rapidamente a correção, o desmentido, o desmascaramento. Quanto mais distribuída for uma rede, mais vulnerável à autorregulação ela estará, sem necessidade de juízes instituídos (e ademais sem a possibilidade de instituí-los) para dizer o que é "verdade" e o que é "mentira".

Há aqui uma confusão flagrante entre a rede social e as ferramentas digitais que tornaram disponíveis e acessíveis tanto conteúdo e de todo tipo. Mas talvez essa confusão não seja a mais importante. O mais importante é a crença de que o conhecimento é um conteúdo pretérito a ser guardado como verdadeiro ou mais verdadeiro.

A ideia de capturar objetos para colocá-los na máquina, a ideia de salvar (arquivar) configurações do passado, constituiu o caminho para a construção de conhecimento nas sociedades de baixa interatividade. As teorias do conhecimento pressupostas por essa ideia podiam ser de todo tipo (behavioristas ou conducionistas, construtivistas, conectivistas etc.), mas sempre cognitivistas. Não podiam ser interativistas. Não é por acaso que todos os cognitivismos - como o construtivismo - geravam escolas (burocracias do ensinamento) enquanto que o conectivismo e sobretudo o interativismo vão gerando inevitavelmente não-escolas (redes de aprendizagem).

A ideia de construção do conhecimento – de depositar “tijolo por tijolo num desenho lógico”, como diz a canção Construção, de Chico Buarque (1971) – decorre de uma epistemologia com pouco intimidade com o fluxo. Essa ideia, ao se aplicar, requer uma espécie de congelamento de fluxos (ou de materialização do passado) para ir combinando objetos, como em uma espécie de lego. Ela permitiu a ereção de aberrações como os knowledge management systems, originalmente pensados para abastecer de informações estratégicas o topo de pirâmides. Era compatível, portanto, com estruturas centralizadas e não com redes distribuídas.

Mas o conhecimento presente em uma rede mais distribuída do que centralizada não pode ser gerido top down, simplesmente porque não há um nodo ou cluster capaz de capturá-lo com antecedência, domesticá-lo ou codificá-lo (transformando-o em ensino) para facilitar o acesso a ele dos demais.

É uma relação social, móvel e sempre em mutação. Como no sistema imunológico dos mamíferos e de outros animais, é um conhecimento que está distribuído por toda a rede. Um nodo interagente conhece porquanto (e enquanto) está interagindo e não porque foi alocado em uma posição para receber uma instrução de outrem (escola). É um conhecimento novo a cada vez. Como naquele rio heraclítico, ninguém pode aprendê-lo mais de uma vez.

É por isso que as plataformas hierárquicas de transmissão do conhecimento foram estruturadas para avaliar e validar o conhecimento ensinado e não o conhecimento aprendido. E é por isso que todas elas exigem tribunais epistemológicos, corpos (docentes) de guardiães do passado (que são sempre coaguladores: sacerdotes, professores, doutores, mestres e outros titulados) encarregados de dizer quais conhecimentos podem ou não transitar.

A chamada “arquitetura de informação” das plataformas digitais baseadas em participação segue o mesmo caminho. Tudo se resume a abrir caixinhas para depositar e salvar conteúdos, escaninhos para coagular, guardar e ordenar o passado com o intuito declarado de facilitar a busca futura, quando, na verdade, seu objetivo é outro: selecionar e pavimentar caminhos para o futuro que sejam produzidos pela dependência da trajetória (ou pela repetição de passado).

A questão é que não é o conteúdo transitado - transmitido-recebido - que pode caracterizar ou determinar o comportamento de uma rede e sim o seu padrão de interação (e os fenômenos interativos que emergem em função desse padrão). Como na comunicação vareliana (já mencionada no Módulo 5), esse conteúdo não é uma variável relevante para explicar o que acontece quando pessoas interagem (o que é relevante são as modificações de comportamento que afetam os interagentes quando há verdadeira comunicação).

Mas por que as pessoas continuam achando que devem assumir o papel de fiscais do conteúdo que circula na rede?

  • augustodefranco

    Um aviso importante. O programa não acabou. Ainda estamos recolhendo material para elaborar o book, levando em conta as interações de todos. Teremos, além disso, as referências bibliográficas. E o hangout amanhã às 19h. Vai ser na página: http://redes.org.br/25mitos-01-hangout/

  • Catia Urbanetz

    bem divertido e muito bem humorado esse texto! tribunal epistemológico, hehehe! 🙂
    os professores (corpo docente) são os juízes do tribunal, separando o conteúdo bom do ruim, decidindo quem é digno ou não de receber o título de mestre, doutor…

  • Marcia Borges

    Na minha visão percebo que conteúdos bons e ruins sempre existiram e sempre vão existir, e ainda levando em conta o que se considera bom ou ruim e para quem isso é bom ou ruim. E a medida que estamos falando em conexão e interação isso além de ser inútil de se fazer, não levaria a lugar algum, acredito. Percebo com as midias sociais quanto se trata de um assunto que por acaso eu tenha interesse, fico perplexa com a minha reação em função de descobrir que a pessoa X que gosto tanto posta um conteúdo X do qual discordo totalmente. E somente depois de entender essa dinâmica, pude conceber o processo como um demonstrador das múltiplas realidades que eu desconhecia do que exatamente de qualificação de conteúdo. mas uma coisa me incomoda um pouco: é a questão de muito conteúdo chegar até a mim antes de eu procurá-lo e quer percebi , que gera sim o efeito de “bubble filter”. Percebi que perdi uma interação mais intensa com alguns aspectos escondidos da “rede” quando eu tinha que percorrer o caminho para encontrar o conteúdo.

  • Marcia

    Na minha visão percebo que conteúdos bons e ruins sempre existiram e sempre vão existir, e ainda levando em conta o que se considera bom ou ruim e para quem isso é bom ou ruim. E a medida que estamos falando em conexão e interação isso além de ser inútil de se fazer, não levaria a lugar algum, acredito. Percebo com as midias sociais quanto se trata de um assunto que por acaso eu tenha interesse, fico perplexa com a minha reação em função de descobrir que a pessoa X que gosto tanto posta um conteúdo X do qual discordo totalmente. E somente depois de entender essa dinâmica, pude conceber o processo como um demonstrador das múltiplas realidades que eu desconhecia do que exatamente de qualificação de conteúdo. mas uma coisa me incomoda um pouco: é a questão de muito conteúdo chegar até a mim antes de eu procurá-lo e quer percebi , que gera sim o efeito de “bubble filter”. Percebi que perdi uma interação mais intensa com alguns aspectos escondidos da “rede” quando eu tinha que percorrer o caminho para encontrar o conteúdo.

  • Fatima Melca

    Penso que essas pessoas querem ser obedecidas, querem continuar mantendo o controle, querem centralizar informação, deter o poder e muitas vezes esconder a própria mediocridade. O poder pode ser usado para afastar questionamentos e mostrar autoridade. Questiono o que seja um conteúdo bom , ou um conteúdo ruim? Que valor é esse dado ao conteúdo? Transmitir conteúdo, como se isso bastasse. O que importa é o que a pessoa vai fazer com esse conteúdo, o que ela vai buscar, as interações que ela vai fazer, o que vai emergir … Professores para Quê, de George Gusdorf ,é um bom livro, sobre isso. Ele nos leva a pensar, para quê professores? Para transmitir conteúdos? Recitar como papagaios? Ou para que o conteúdo fosse um meio, um pretexto para que o mais importante acontecesse: a interação, a troca, a busca pelo novo…Li esse livro em 1976, depois desse livro li muitos outros, mas desse nunca me esqueci.Isso me lembra o netweaver. Não seria isso: O professor deixar o conteúdo para os meios /recursos de que dispõe e ele professor atuar na rede como um articulador, buscando sempre mais interações, mais descobertas, mais desobediência ao que é imposto e abrindo espaço para novas emergencias…

    • Catia Urbanetz

      legal

  • Fatima Melca

    Penso que essas pessoas querem ser obedecidas, querem continuar mantendo o controle, querem centralizar informação, deter o poder e muitas vezes esconder a própria mediocridade. O poder pode ser usado para afastar questionamentos e mostrar autoridade. Questiono o que seja um conteúdo bom , ou um conteúdo ruim? Que valor é esse dado ao conteúdo? Transmitir conteúdo, como se isso bastasse. O que importa é o que a pessoa vai fazer com esse conteúdo, o que ela vai buscar, as interações que ela vai fazer, o que vai emergir … Professores para Quê, de George Gusdorf ,é um bom livro, sobre isso. Ele nos leva a pensar, para quê professores? Para transmitir conteúdos? Recitar como papagaios? Ou para que o conteúdo fosse um meio, um pretexto para que o mais importante acontecesse: a interação, a troca, a busca pelo novo…Li esse livro em 1976, depois desse livro li muitos outros, mas desse nunca me esqueci.Isso me lembra o netweaver. Não seria isso: O professor deixar o conteúdo para os meios /recursos de que dispõe e ele professor atuar na rede como um articulador, buscando sempre mais interações, mais descobertas, mais desobediência ao que é imposto e abrindo espaço para novas emergencias…

  • Fatima Melca

    Controle. Centralizar. Dominar. Serem obedecidas.

  • Fatima Melca

    Controle. Centralizar. Dominar. Serem obedecidas.

  • Cris Kruel

    Alguns insights:

    – Taxonomia: Eu tenho observado o comportamento de redes sociais empresariais – onde esta discussão está sempre presente – e tenho percebido que não é eficiente a empresa definir como o conhecimento deve ser organizado e que conteúdo cada indivíduo deveria receber. Permita que as pessoas criem e categorizem (multiple tags).

    – Conteúdo encontra o seu destino – Cada indivíduo deveria ter a opção de escolher o que deseja ouvir. Ou á REDE ou é RÁDIO. O que percebo nas redes é que cada vez mais o conteúdo encontra o interessado e não o contrário.
    Exemplo Rápido: área de RH anuncia vagas internas na sua rede interna; João lê o anúncio de uma vaga no interior, mas não se interessa; João sai para almoçar com Maria que confidencia que seu marido vai ser transferido para o interior e vai pedir demissão da empresa; João comenta com Maria da vaga que esta desconhecia. Moral da história: a rede é a maneira mais eficaz de fazer a mensagem chegar a quem interessa.

    – O importante não é saber, mas saber quem sabe. Parece uma brincadeira mas é oportuno para imaginar a dinâmica das redes distribuídas.

    – Conteúdo é Ruim – Wikipedia tem erros, assim como a Barça, Britanica… Mas na Wikipedia a chance e agilidade de identificar e corrigir um erro é incomparável.

    • Bem legal, Cris!

    • Rafael Ferreira

      ‘O conteúdo encontro o interessado e não o contrário’ e ‘o importante não é saber, mas saber quem sabe’. Muito bom.

  • Cris Kruel

    Alguns insights:

    – Taxonomia: Eu tenho observado o comportamento de redes sociais empresariais – onde esta discussão está sempre presente – e tenho percebido que não é eficiente a empresa definir como o conhecimento deve ser organizado e que conteúdo cada indivíduo deveria receber. Permita que as pessoas criem e categorizem (multiple tags).

    – Conteúdo encontra o seu destino – Cada indivíduo deveria ter a opção de escolher o que deseja ouvir. Ou á REDE ou é RÁDIO. O que percebo nas redes é que cada vez mais o conteúdo encontra o interessado e não o contrário.
    Exemplo Rápido: área de RH anuncia vagas internas na sua rede interna; João lê o anúncio de uma vaga no interior, mas não se interessa; João sai para almoçar com Maria que confidencia que seu marido vai ser transferido para o interior e vai pedir demissão da empresa; João comenta com Maria da vaga que esta desconhecia. Moral da história: a rede é a maneira mais eficaz de fazer a mensagem chegar a quem interessa.

    – O importante não é saber, mas saber quem sabe. Parece uma brincadeira mas é oportuno para imaginar a dinâmica das redes distribuídas.

    – Conteúdo é Ruim – Wikipedia tem erros, assim como a Barça, Britanica… Mas na Wikipedia a chance e agilidade de identificar e corrigir um erro é incomparável.