O que você precisa saber sobre redes | Módulo 21

Módulo 21

Atenção: você vai ler abaixo um texto provocativo, elaborado para estimular a conversação. Você não precisa concordar necessariamente com o conteúdo do texto provocativo e sim ficar atento às suas indagações. Todas as referências bibliográficas serão fornecidas oportunamente.

A sociologia tradicional (quer dizer, pré Nova Ciência das Redes) encara as redes como metáforas para organizações sociais, ou seja, para grupos de indivíduos. Então as redes são, para ela, maneiras de apresentar ou visualizar e, às vezes, investigar, relações entre esses indivíduos.

Alega-se que as redes sociais são modos de representação de estruturas sociais, mas o problema é que não se sabe exatamente o que significa “estrutura” social. Esse conceito só passa a ser inteligível se admitirmos que a “estrutura” disso que chamamos de sociedade é conhecida pelas configurações recorrentes das relações entre as pessoas... Ora, mas isso é, exatamente, o que significa ‘redes sociais’. Estruturas sociais não são nada se não forem redes.

E isso significa, portanto, que a rede é “anterior” ao grupo em termos, digamos, ontológicos. Grupo (agrupamento <= aglomeração <= clustering) já é uma fenômeno que ocorre na rede. Assim, ao invés de dizer que redes são formas de representação de agrupamentos, seria mais razoável dizer que agrupamentos são configurações de rede.

A ideia de que os atores (ou agentes) sociais determinam o comportamento da sociedade quando se agrupam de uma determinada maneira decorre de uma incompreensão da rede; ou seja, de uma incompreensão de que ‘ator’ (ou ‘agente’) são “produzidos” pela tal estrutura social, quer dizer, pela rede. Indivíduos humanos não são atores (ou agentes) nisi quatenus interagem. Mas quando interagem já são rede. E quando se agrupam (uma forma de interação) não o fazem somente a partir de supostas escolhas individuais, baseadas nas suas características distintivas, posto que já estão sob o influxo da dinâmica de rede. Em outras palavras, seres humanos são seres humano-sociais, não são somente íons vagando em um meio gelatinoso e exibindo suas qualidades intrínsecas e sim também entroncamentos de fluxos, identidades que se formam a partir da interação com outros indivíduos. A pessoa como continuum de experiências intransferíveis e, ao mesmo tempo, como série intermitente de relacionamentos, se comporta como ator (ou agente) por estar imersa (conectada e agrupada) em um ambiente interativo. Portanto, são a interação e a clusterização que “produzem” o agente (ou ator). Ninguém pode ser agente de si mesmo: atores sociais se constituem como tais na medida em que interagem em clusters nas redes socais.

A hipótese – tão recorrente quanto a crença perversa de que o ser humano é por natureza hostil ao semelhante – segundo a qual todo agrupamento tem implícita uma estrutura de poder é gratuita e não se sustenta. Do fato de o poder se manifestar na maioria dos agrupamentos que conhecemos no tipo de sociedade em que vivemos, não se pode derivar que ele se manifesta em todos os agrupamentos. A menos que essa hipótese tenha tomado – como pressuposto implícito, não-declarado – a ideologia hobbesiana de que o homem é o lobo do homem, posto que intrinsecamente (ou constitutivamente) competitivo e outras crenças semelhantes, que nada têm de científicas.

Não se trata apenas de contrabando ideológico. Há aqui um erro metodológico, derivado de um erro lógico ou da operação do pensamento. Pois não existe exatamente outra “estrutura” à qual se possa chamar de “estrutura de poder”. Quando falamos em poder estamos falando em determinadas configurações daquela mesma estrutura social; ou seja, estamos falando do grau de centralização da rede social em tela.

Essa cadeia de erros desemboca no erro final que confunde os termos influência e poder. Se alguém recebe mais comentários no seu blog, tem mais amigos no Facebook ou é mais seguido no Twitter, de certo exerce mais influência, mas isso não significa que possa exercer mais poder. Das alegações de Barabási (2002), em Linked, sobre a incidência de hierarquia nas redes “sem escala” não se pode inferir que sistemas sociais tendam à hierarquia (a menos se estivermos impregnados da crença de que o ser humano é inerentemente competitivo). Depende do grau de centralização. Há, por certo, uma tendência de clusterização nas redes que crescem em número de nodos ou em grau de conectividade, mas isso não significa necessariamente uma tendência à centralização. Pode ser justamente o contrário: a multiplicidade de clusters distribuídos (mais distribuídos do que centralizados) leva à distribuição da rede. Regiões mais tramadas da rede contaminam regiões menos tramadas quando se estabelecem atalhos entre os clusters. Se não fosse assim poderíamos abandonar todas as tentativas de democratizar a sociedade.

Mas por que as ciências sociais continuam afirmando que redes sociais são modos de representação de grupos de atores sociais? Trata-se aqui realmente de representação? A rede é, ontologicamente falando, "posterior" ou "anterior" ao grupo? O ator ou agente coletivo pode ser "produzido" sem interação (e clusterização)? Atores sociais podem se constituir como tais sem interagirem em clusters nas redes sociais?

  • Cris Kruel

    Caros, me acho pouco apto a contribuir efetivamente neste módulo. Mas como estamos em uma rede – onde todos temos voz 🙂 – me senti positivamente compelido a tentar colaborar.

    Recomendo aos curiosos o livro “SOCIAL PHYSICS How Good Ideas Spread–The Lessons from a New Science” do prof Alex Pentland, e que foi eleito um dos livros de estratégia/negócios de 2014 – http://socialphysics.media.mit.edu/book.

    “Pentland and his teams have found that they can study patterns of information exchange in a social network without any knowledge of the actual content of the information and predict with stunning accuracy how productive and effective that network is, whether it’s a business or an entire city. We can maximize a group’s collective intelligence to improve performance and use social incentives to create new organizations and guide them through disruptive change in a way that maximizes the good. At every level of interaction, from small groups to large cities, social networks can be tuned to increase exploration and engagement, thus vastly improving idea flow.”

  • augustodefranco

    AVISO GERAL | O programa não acabou. Ainda estamos recolhendo material para elaborar o book, levando em conta as interações de todos. Teremos, além disso, as referências bibliográficas. E o hangout amanhã às 19h. Vai ser na página: http://redes.org.br/25mitos-01-hangout/

  • Marcia Borges

    (Não sei o porquê, meu comentário não ficou registrado aqui quando o fiz ontem) Tentando recuperar o raciocínio: A ciência também sempre operou em redes, o conhecimento e todas os pipocamentos de invenções e descobertas muitas vezes foram simultâneos, mas acredito que nunca tivemos mecanismos tão rápidos para ver o fenômeno acontecendo “de cima”. Muito do que chega da Ciência ainda vem por meios acadêmicos e ainda opera de modo “newtoniano” (apesar que nem Newton era newtoniano, pelo que pesquisei). Para mim, representação não significa realidade, são sempre “abstrações” del, ou formas didáticas de entendimendo de algo. Logo, acredito que tomara tempo para todas as terminologias arbitrárias serem atualizadas de acordo com a nova visão da realidade. Afinal, tenho a impressão que quando falamos de ciência e comprovação dá a impressão que fizeram da ciÊncia algo tão religioso quanto a igreja na inquisição. ” A Ciência” , como se fosse um ente vindo dos céus e não uma organização em rede feita por pessoas e muita interações. o Filtro para se manter a mesma idéia e terminologias do século passado, talvez seja indício que a Ciência também está aprendendo a operar em rede distribuída, e que ainda estamos recebendo informações de feudos de conhecimentos hierárquicos.

  • augustodefranco

    Um AVISO IMPORTANTE. O hangout previsto para hoje foi adiado para 11/11/2015. Veja mais informações na página http://redes.org.br/25mitos-0

  • Fatima Melca

    Augusto e todos: Nesse sábado chuvoso e escuro, dificil de se imaginar onde eu moro, me bateu uma dúvida. Eu não vejo SMS, WHATSAP, EMAILS, como mídia social, mas frequentemente estas são chamadas de mídias sociais como facebook…No meu modo de ver, SMS, Watsap e emails são recursos/ferramentas de comunicação, que são digitais, mas se prestam mais a comunicação de 1 para 1 ou até de 1 para alguns, mas estes são direcionados, a pessoa responde se quiser, mas não é disponibilizado para todos, logo não é acessivel a todos, não existe a possibilidade de quem quiser receber. Eles têm um destino. Um emissor e receptor ou receptores. A pessoa escolhe com quem vai compartilhar o conhecimento. Parecem mais centralizados que distribuidos. E aí?

    • augustodefranco

      Já respondo, Fatima. Estou neste momento avisando que o hangout foi transferido para dia 11/11/2015. Guenta aee!

    • Não me parece indicador de centralização, Fatima.

      Justamente por permitir a comunicação um-a-um, peer-to-peer, é que a rede é distribuída.

  • Fatima Melca

    As ciências sociais continuam afirmando que redes sociais são modos de representação de grupos de atores porque entendem as redes como modo de se referir as relações estabelecidas entre os indivíduos. As redes não se tratam de representação de grupos, Os agrupamentos é que são configurações de rede. A rede é, ontologicamente falando, “anterior” ao grupo. O ator ou agente coletivo não pode ser “produzido” sem interação. É na interação que as pessoas se significam e ressignifica,O ator ou agente coletivo não pode ser “produzido” sem interação (e clusterização)pé preciso que haja interação, sincronização, emergencia…

    • Pois é, Fatima. Mas isso contradiz escolas tradicionais do pensamento sociológico. Para elas os grupos e classes sociais existem mesmo, como dados, como categorias anteriores à interação. Incrível como as pessoas ainda compram essa mitologia.

  • Fatima Melca

    As ciências sociais continuam afirmando que redes sociais são modos de representação de grupos de atores porque entendem as redes como modo de se referir as relações estabelecidas entre os indivíduos. As redes não se tratam de representação de grupos, Os agrupamentos é que são configurações de rede. A rede é, ontologicamente falando, “anterior” ao grupo. O ator ou agente coletivo não pode ser “produzido” sem interação. É na interação que as pessoas se significam e ressignifica,O ator ou agente coletivo não pode ser “produzido” sem interação (e clusterização)pé preciso que haja interação, sincronização, emergencia…