Módulo 8

Esta é outra crença esquisita que remanesce em alguns meios. Afinal, rede é um padrão de organização ou uma irmandade imbuída de propósitos caritativos?
A confusão é comum. Como as redes distribuídas são ambientes favoráveis à cooperação, as pessoas pensam que isso acontece porque as pessoas que se organizam em rede são cooperativas. Mas a cooperação em uma rede distribuída acontece porque - não havendo condições de alguém mandar nos outros - a única forma de fazer alguma coisa conjunta é co-operando (operando junto; ou co-laborando: trabalhando junto). A cooperação é assim um atributo da forma como nos organizamos e não um resultado da atividade de uma congregação de anjos. Demônios organizados em uma rede (mais distribuída do que centralizada) serão compelidos a colaborar ou não poderão fazer nada com outros (sejam, estes outros, anjos ou demônios).
É claro que a cooperação não pode ser comprada (enquanto que a operação de muitos, coordenada top down, pode: do contrário não se poderia fazer uma empresa tradicional). Talvez por isso algumas pessoas pensem que em rede tudo deve ser gratuito. A cooperação é gratuita, mas o trabalho (ou o esforço empreendido) não necessariamente (do contrário não seria possível empreender em rede e viver disso).
Em meios onde há abundância de caminhos vigora uma espécie de ecologia da dádiva no lugar da economia da escassez (na exata medida em que menos escassez é produzida). Mas isso não significa que as utilidades produzidas ou os serviços prestados por uma rede devam ser gratuitos. Sobretudo se essa rede (mais distribuída do que centralizada) está em um mundo cujas organizações são mais centralizadas do que distribuídas. Nestas circunstâncias, uma doação não voltará em dobro (nem mesmo integralmente) para o doador por efeito "ecológico": parte dela - mesmo que não seja apropriada por alguém - será consumida pelos custos de transação, pelo atrito de gestão e pelos custos de sinergia. As trocas e o comércio, os preços e a venda de produtos e serviços, são necessários na medida do grau de distribuição das redes internas e externas envolvidas na operação. Uma pessoa que produz ou presta serviços em rede distribuída com outras pessoas não conseguirá argumentar, com o dono do supermercado ou com o gerente do banco, que deverá adquirir gratuitamente (ou na base da troca) alimentos para sua sobrevivência ou tomar crédito sem garantias reais e sem taxas de juros para seus empreendimentos, porque tudo que faz é gratuito. Essa pessoa morrerá de fome, a menos que viva numa comunidade de subsistência autossuficiente (que não precise de recursos, inclusive de crédito, do mundo exterior).
Esse tipo de argumentação - de que em rede tudo deve ser gratuito - não raro é feita por quem não precisa vender nada para sobreviver, seja porque vive de rendas ou é sustentado por alguém, seja porque faz rede como um hobby, depois do expediente (e sua sobrevivência é garantida por um empreendimento hierárquico ou por um salário recebido de uma organização hierárquica). Ou não?