Módulo 10

É uma crença muito disseminada a ideia de que decisões em uma rede devem ser tomadas por consenso. Mas tomar decisão evoca uma lógica da escassez, não da abundância.
Redes (mais distribuídas do que centralizadas) podem ser definidas como múltiplos caminhos. Em geral ambientes sociais são caracterizados por abundância de caminhos (e, consequentemente, de opções) a menos quando há obstrução ou eliminação de caminhos (conexões) introduzidas de modo artificial. De modo artificial, sim, porque a obstrução (ou a eliminação) não emerge da dinâmica própria da rede (distribuída): ela é operada top down por alguma hierarquia que deforma (verticaliza) o campo social. Essa é, aliás, a forma pela qual a hierarquia se reproduz, transformando tudo que toca em ambiente hierárquico ou centralizando a rede. Se não produzimos artificialmente escassez quando nos pomos a regular qualquer conflito, "produzimos" rede (distribuída); do contrário, "produzimos" hierarquia (centralização).
Todo processo delegativo ou participativo gera artificialmente escassez. A designação (nomeação), assim como a votação, a construção administrada de consenso, o rodízio e até mesmo o sorteio, não são procedimentos adequados à ambientes onde há abundância de caminhos. Ou melhor, quando aplicados, tais procedimentos reduzem o número de caminhos e são, portanto, geradores de escassez.
Uma das coisas mais bacanas das redes sociais distribuídas é a chamada “lógica da abundância”.
Os problemas que se estabelecem a partir de divergências de opinião são – em grande parte – introduzidos artificialmente pelo modo-de-regulação. Por exemplo, queremos escolher 5 pessoas para uma função qualquer, mas 10 pessoas estão postulando. Problema? Que nada! Basta escolher as 10. Quem disse que teriam que ser apenas 5? Essa determinação está, por acaso, nos “10 Mandamentos”? Isso só será um problema se nos tornarmos escravos dos estatutos e regimentos: sim, em algum lugar foi definido que teriam que ser 5 pessoas, mas e daí? Qual o problema de mudar essa definição?
Ah! Mas é muita gente, não cabe na sala, vai dificultar o processo de decisão... Todas essas são, é óbvio, desculpas esfarrapadas para produzir artificialmente escassez. Não cabe na sala? Arrumamos uma sala maior ou fazemos um rodízio de quem entra e quem fica fora de cada vez. Vai dificultar o processo de decisão?
Criamos duas instâncias e redefinimos as responsabilidades pelas funções.
O fato é que somente em estruturas hierárquicas essas coisas são realmente problemas. Porque nessas estruturas o que está em jogo não é a funcionalidade do organismo coletivo e sim o poder de mandar nos outros, quer dizer, a capacidade de exigir obediência ou de comandar e controlar os semelhantes.
Quanto mais distribuída for uma rede, mais a regulação que nela se estabelece pode ser pluriárquica. Uma pessoa propõe uma coisa. Ótimo. Aderirão a essa proposta os que concordarem com ela. E os que não concordarem? Ora, bolas, os que não concordarem não devem aderir. E sempre podem propor outra coisa. Os que concordarem com essa outra coisa aderirão a ela. E assim por diante.
O papel dos administradores das ferramentas de netweaving (como plataformas digitais, por exemplo) usadas por uma rede não é o de chefes, nem mesmo o de líderes. Eles devem ser netweavers, não coordenadores. Muitas vezes os administradores de sites e grupos em uma plataforma interativa não cumprem nem mesmo o papel de netweavers. São apenas pessoas que tomaram a iniciativa de abrir um site, formar um grupo, colocar um tema em discussão em um fórum ou marcar um evento. Quem deve aderir a essas iniciativas? Quem quiser. E quem não quiser? Quem achar que não é bem assim, que poderia ser melhor “um pouquinho”, que o desenho não está adequado, que a proposta está equivocada etc., pode sempre dizer isso para as pessoas que tomaram a iniciativa. E se não adiantar, se essas pessoas insistirem em manter o que propuseram? Ora, nesse caso, também não deveria haver o menor problema. Quem não está totalmente satisfeito ou confortável com o que foi proposto, pode propor outra coisa.
Em redes mais distribuídas do que centralizadas nunca se admite a votação como método de regular majoritariamente qualquer dilema da ação coletiva. E quando há discordâncias de opiniões, como fazemos? Ora, não fazemos nada! Por que deveríamos fazer alguma coisa? Viva a diversidade! Se você estabelece alguma coisa a partir da votação, cai numa armadilha centralizadora ou hierarquizante. Produz “de graça” escassez onde não havia.
A exigência de obter consenso não raro exige a adoção de um processo de construção administrada do consenso e isso também produz escassez e, consequentemente, centraliza (ou hierarquiza) a rede.
Por que? Porque a busca do consenso exige, na prática, a condução centralizada: há sempre uma oligarquia participativa que administra a construção do consenso, impondo a todos uma metodologia, um conjunto de passos obrigatórios para se alcançar determinado resultado esperado. E o consenso administrado - a não ser quando haja espontânea unanimidade (o que dispensa administração) - é sempre um consenso majoritário (quem não concorda com o consenso produzido deve acatar o resultado obtido pela... maioria!). Ao fim e ao cabo, mesmo quando todos pareçam dedicados à construção do consenso, o ethos é competitivo. Compete-se, quando menos, pela maior habilidade de extrair o consenso, pela capacidade de melhor expressar os desejos da maioria, pelo domínio de uma técnica mais aperfeiçoada de prorrogar determinada liderança.
Mas o que seria "tomar decisão" em uma rede? Qual a necessidade de tomar uma decisão? E por que todos deveriam concordar com tudo? E para quê deveriam concordar se, em rede, as pessoas não estão obrigadas a fazer nada que não desejam fazer, concordando ou discordando de alguma proposta?