Módulo 12

A primeira pergunta que ouvimos de todas as pessoas interessadas em fazer qualquer coisa em rede é a seguinte: é possível organizar (na prática) um coletivo estável de pessoas em rede ou isso é apenas uma tendência (apontada pela teoria) que só será aplicável no futuro, quando toda sociedade já estiver mais conectada em rede e as pessoas estiverem mais preparadas para viver essa realidade?
Esta é uma pergunta geral que fazem (e se fazem) tanto empresários e gestores de empresas tradicionais curiosos com o tema, quanto pessoas que querem empreender socialmente em rede. Mas a maior parte das organizações que existem hoje ou que já surgiram em qualquer época na história é composta por organizações em rede. Fazendo uma brincadeira (mas é verdade), podemos dizer que essas organizações - que somam bilhões - são da categoria VESA. Diante do espanto do interlocutor vamos então esclarecer que a sigla significa "Você E Seus Amigos".
As VESAS são organizações em rede (mais distribuída do que centralizada). Não têm chefe, não têm hierarquia. Mas o fato de serem informais não significa que não sejam organizações (formas estáveis, com estrutura característica, de agrupamentos de pessoas).
Isso é significativo porque essas estruturas do tipo VESA estão presentes em todo lugar, inclusive nas organizações hierárquicas de qualquer setor. Inclusive nas empresas fortemente centralizadas elas estão lá, embaixo de várias camadas de entulho hierárquico (que foram sobrepostas pelos modelos de gestão baseados em comando-e-controle). As pessoas se conhecem, experimentam o coleguismo e se comprazem na convivência, muitas viram amigas e passam a manter relações recorrentes: namoram, vão ao cinema e ao shopping, combinam happy hours, vão ao jogo ou ao show, levam seus filhos para brincar na mesma praça ou no clube ou na praia, frequentam as casas umas das outras, planejam viagens coletivas; enfim: são pessoas interagindo de modo mais distribuído do que centralizado e quando isso acontece... acontecem as redes! Não importa o propósito: a rede é um padrão de organização, não um tipo determinado de entidade que tenha necessariamente um objetivo ou finalidade.
Em termos de quantidade não há nem como comparar essas formas estáveis de sociabilidade horizontal com aquelas que têm topologia centralizada (ou mais centralizada do que distribuída), como as entidades, instituições e organizações formais verticais do Estado, do mercado ou da sociedade civil. É outra ordem de grandeza: as primeiras são dezenas de bilhões enquanto que as segundas não passam de poucas centenas de milhões.
Então não se trata de inventar algo que ainda não existe ou que existe apenas embrionariamente. Não. A maior parte da nossa experiência de relacionamento estável, desde que existe o Homo Sapiens (há mais de 200 mil anos), se deu em estruturas mais distribuídas do que centralizadas, quer dizer, em rede.
A pergunta fundamental, então, não é por que as organizações não são em rede e sim por que existem organizações que não são em rede. O problema é que as pessoas ficam procurando "organizações hierárquicas em rede" e aí não podem achar mesmo.
Ora, para "fazer" rede não é preciso fazer quase nada. Deveríamos perguntar, portanto, o que é necessário fazer para impedir que as pessoas se relacionem horizontalmente ou de forma mais distribuída do que centralizada, porque, aí sim, é necessário fazer muita coisa. Capturar, condicionar e direcionar fluxos (os fluxos da convivência social) para erigir hierarquias é muito mais difícil do que deixar fluir.
Então! As pessoas precisam primeiro estar preparadas para viver em rede ou elas se preparam (e já se prepararam ao longo da história) vivendo em rede?