O que você precisa saber sobre redes | Módulo 15

Módulo 15

Atenção: você vai ler abaixo um texto provocativo, elaborado para estimular a conversação. Você não precisa concordar necessariamente com o conteúdo do texto provocativo e sim ficar atento às suas indagações. Todas as referências bibliográficas serão fornecidas oportunamente.

Algumas pessoas dizem: em vez de fazer uma empresa ou uma ONG, por que não fazemos uma rede? É como se rede fosse um tipo de organização e não um padrão de configuração de fluxos.

Convencionamos chamar de redes às redes mais distribuídas do que centralizadas, mas de um ponto de vista matemático, da topologia das redes, tudo é rede: o que varia é o grau de distribuição (ou de centralização). Assim, uma empresa e uma ONG também são redes, sendo que seu padrão de organização é, em geral, mais centralizado do que distribuído.

É claro que quando o grau de distribuição de uma rede aumenta, também aumentam os graus de conectividade e interatividade. O que deixa o sistema mais vulnerável ao surgimento de uma fenomenologia da interação que desconhecíamos até bem recentemente. Ou melhor, quando a interatividade aumenta conseguimos perceber os fenômenos interativos que já aconteciam, porém ao longo de linhas temporais muito longas para serem percebidos. Se alguém filmasse, por exemplo, a conquista do Oeste nos Estados Unidos e projetasse em câmera rápida o que levou um século para acontecer, veríamos uma movimentação semelhante àquela que ocorreu em poucas horas na ocupação da Praça Tahir, no Cairo, no Egito, em 11 de fevereiro de 2011 ou no Largo da Batata, em São Paulo, no Brasil, em 17 de junho de 2013. O mesmo fenômeno interativo - chamado swarming - se manifestou nos três casos, só que no segundo e no terceiro as linhas temporais foram contraídos pela alta interatividade da rede social. Porque os graus de distribuição da rede social na segunda década do século 21 são muito maiores do que aqueles existentes na sociedade americana nos séculos 18 e 19.

Fazer uma rede é, assim, aumentar os graus de distribuição de uma organização qualquer, não fundar um novo tipo de organização. É claro que, ao fazer isso, encontraremos resistência dessas organizações, que imaginam que vão perder sua identidade e até mesmo desaparecer se forem feitas alterações no seu hardware. É por isso que as organizações hierárquicas, do Estado, do mercado ou da sociedade civil, resistem tanto às redes, que encaram como uma ameaça aos seus modelos de gestão baseados em comando-e-controle.

Então, por que será que, mesmo ao saber disso, as pessoas continuam encarando as redes como um novo tipo de organização em vez de entender e aceitar o processo de distribuição implicado na transição de qualquer tipo de organização para um padrão de rede?

  • augustodefranco

    O que vem agora? Ainda estamos recolhendo material para elaborar o book, levando em conta as interações de todos. Teremos, além disso, as referências bibliográficas. E o hangout amanhã (11/11/15) às 19h. Vai ser na página: http://redes.org.br/25mitos-01-hangout/

  • augustodefranco

    Pessoal, um AVISO IMPORTANTE. O hangout previsto para hoje foi adiado para 11/11/2015. Veja mais informações na página http://redes.org.br/25mitos-0

  • Marcia Borges

    Acredito que seja da dificuldade de desautomatizar. Há uma repetição do mesmo modelo (centralizado) travestido de democrático, participativo, e cada vez que a coisa não anda mais tenta-se se achar novas formas de inovar a centralização que é a causa do problema. Também acredito que a aceleração de tudo, elevou a categoria o curto prazo, e a maioria tenta dilatar o presente o mais possível e ainda há a sensação que “distribuição” implica em perdas e não investimento.

  • Marcia

    Acredito que seja da dificuldade de desautomatizar. Há uma repetição do mesmo modelo (centralizado) travestido de democrático, participativo, e cada vez que a coisa não anda mais tenta-se se achar novas formas de inovar a centralização que é a causa do problema. Também acredito que a aceleração de tudo, elevou a categoria o curto prazo, e a maioria tenta dilatar o presente o mais possível e ainda há a sensação que “distribuição” implica em perdas e não investimento.

  • Fatima Melca

    Talvez algo parecido com sindrome de estocolmo? Cumplicidade? Dificuldade em mudar? Mudar o paradigma. Quebrar as correntes. Interagir com os outros.Abrir mão. Liberar. Deixar acontecer. O novo é um desafio.Creio que estas pessoas tenham medo de se abrir, dar voz, deixar o coletivo se empoderar e perder o comando-controle . E se esse coletivo se voltar contra elas? A própria história nos mostra que ver com outros olhos, as vezes é complicado para quem detém o poder e gosta disso. Desobedecer ordens, custa caro. Mergulhar no abismo, exige se liberar. Mas chega uma hora que incrementar algumas mudanças, usando os mesmos padrões, não dá mais. É preciso mudar mesmo. Mas, creio, que tudo na vida encontra seu caminho. É assim por que é assim. Acontece! E é simples. Basta deixar fluir. As formigas, insetos, cardumes, fungos, sistemas biologicos encontraram seus padrões de interagir e “atuam, “funcionam” bem. E nós, também vamos encontrar o nosso padrão de nos auto-organizarmos e interagir.

    • guilherme witte

      É isso aí….laissez faire, laissez aller, laissez passer….Serão múltiplas possibilidades de padrões de interação de acordo com o ecossistema da rede. E lembrar de não querer organizar….

  • Fatima Melca

    Talvez algo parecido com sindrome de estocolmo. Cumplicidade. O novo é um desafio.Creio que estas pessoas tenham medo de se abrir, dar voz, deixar o coletivo se empoderar e ver o comando-controle sair da exclusiva alçada delas para outras pessoas. E se esse coletivo se voltar contra elas?E vamos pensar: tem tudo para mudar mesmo. Esta possivel transição, tem tudo para ser, pelo menos no inicio, um pouco complicada. A própria história nos mostra isso. Desobedecer ordens, custa caro. Mas, creio, que tudo na vida encontra seu caminho. É assim por que é assim. Acontece! Sobrevivencia? Melhor adaptação?. As formigas, insetos, cardumes, fungos, sistemas biologicos encontraram seus padrões de interagir e “atuam, “funcionam” bem. E nós, também vamos encontrar os nossos padrões de nos organizar e interagir. Não seriamos nós da Geração Baby Boom e filhos desta geração, se não acreditassemos e mostrassemos a nossa “cara”.

    • guilherme witte

      É isso aí….laissez faire, laissez aller, laissez passer….Serão múltiplas possibilidades de padrões de interação de acordo com o ecossistema da rede. E lembrar de não querer organizar….

  • Marcelo Yamada

    Se (a título de exemplo) uma organização (uma empresa ou entidade) está há tanto tempo organizada hierarquicamente a ponto de entender a estrutura hierárquica como um componente fundamental de sua identidade corporativa, a atuação em rede (distribuída, não centralizada) pode parecer suficientemente diferente para se dizer que “uma empresa assim não é a nossa empresa “, daí a necessidade de uma transformação – uma transição. (Caso o cenário de atuação distribuída pareça atraente, é claro.)
    Se não devemos chamar esse movimento de “transição de um tipo de organização para outro tipo de organização “, como podemos chama-lo?

    • augustodefranco

      Sim, é de uma transição organizacional mesmo que se trata. E essa transição nada mais é do que desobstrução de fluxos.

      • Cris Kruel

        Augusto, eu aposto que a maioria das pessoas não entende que um organograma é um tipo de rede centralizada/hierarquizada. Para a maioria das pessoas uma rede lembra um teia, e os diagramas de Baran seriam reconhecidos como redes.

        Mas, se pedirmos para 100 CEOs desenharem suas empresas, 99 vão desenhar
        organograma top-down. Mas se alguém desenhar a empresa deles no futuro, no formato de uma rede altamente distribuída eles vão entender como “um novo tipo de organização”.

        Quando uma rede muda sua topologia, ela não está se “re-organizando”?

    • ORGANIZAÇÕES E FLUXOS

      Marcelo e Cris Kruel, vamos partir da seguinte macrovisão:

      Imagine todo o conjunto de interações humanas como uma teia dinâmica que cobre o planeta Terra, com bilhões de filamentos se movendo, surgindo e desparecendo. Se não houvesse hierarquia, poderíamos imaginar essa rede toda distribuída. Nesse cenário, o que seria então uma organização? Difícil dizer. Mas talvez fosse uma micro-região, desse grande campo, onde se constelam algumas interações num padrão recorrente por determinado tempo. Algo como um redemoinho em um rio: algo que ainda é a rede (o rio), mas que também se pode identificar como uma organização temporária, um padrão reconhecível desse fluxo. Lembre: rede distribuída não significa rede homogênea, então vão existir regiões do campo interativo com maior concentração de nodos e conexões (tudo que interage livremente clusteriza).

      Agora, nessa representação, o que seria uma organização hierárquica? Em primeiro lugar, ela é uma distorção do campo interativo básico que caracteriza a convivência humana, cujo padrão é distribuído (assim como de todas as redes naturais — biológicas ou físicas). A hierarquia deforma esse campo interativo ao obstruir caminhos e (o que é basicamente mesma coisa) criar fronteiras identitárias opacas entre regiões “de dentro” e “de fora”. Não é mais um redemoinho. Tem mais cara de uma cisterna, com tubos que trazem e levam água de forma controlada e rígida, que condiciona o fluxo “externo” que entra e o fluxo “interno” que se movimenta em caminhos pré-definidos, em quantidades controladas. Ao contrário de um redemoinho (ou de uma célula), cuja organização se dá pelo próprio fluir, uma cisterna tem uma organização fixa, de baixíssima alostase (capacidade de mudar congruentemente com as mudanças do entorno).

      Agora apliquemos essa metáfora às organizações hierárquicas. Elas podem reduzir a hierarquia e os bloqueios de fluxo? Por certo que sim. Pode haver uma aumento de flexibilidade interna que não comprometa a “identidade corporativa” (pra usar a expressão que o Marcelo empregou).

      Porém, pra mim parece claro que, se esse processo de distribuição e desbloqueio de fluxos se aprofundar o suficiente, chegamos a um ponto crítico. Aquilo que reconhecíamos como uma organização deixará de existir. Ou seja, os fluxos vão gerar novas congruências imprevisíveis surgidas da interação. Se a organização gera coisas relevantes para as pessoas, sua função será desempenhada de outro modo — por exemplo, como um ecossistema de pequenos empreendimentos.

      Digamos que seja uma instituição de ensino tipo escola-universidade. Se você tirar a hierarquia e fronteira identitária, essa instituições desabam. Mas a necessidade de ambientes de troca e aprendizagem continuará viva nas pessoas. Então certamente surgirão muitas formas (em rede) pelas quais as pessoas atenderão a essa necessidade ou desejo: se multiplicação cursos livres dos mais variados assuntos; grupos espontâneos de estudo, pesquisa e prática; busca, compartilhamento e polinização de todo tipo de conhecimento, facilitado pela internet ou outros mídias favoráveis à interação distribuída.

      Aliás, isso já acontece! Estamos falando de transição, e não de substituição. Vai tudo acontecer junto, sobreposto. Enquanto as escolas-universidades continuam firmes e fortes, clusters de aprendizagem livre vão emergir em outras regiões da rede. Enquanto corporações hierárquicas vão continuar existindo, a peer-production vai ganhar espaço à medida que meios produtivos distribuídos se disseminam (como impressoras 3D e tecnologias do tipo).

      À medida que o campo social se distribui, toda instituição que seja um bloqueio de fluxos terá mais dificuldade de se manter. Surgirão muitas alternativas a ela. Com o aumento da conectividade e interatividade, as pessoas vão descobrir outras formas de se relacionar, aprender, criar e produzir. Isso muda tudo.

      • Marcelo Yamada

        Obrigado pelo esforço na construção de um cenário ilustrativo, Giovanni. Ficou realmente muito esclarecedor e ótimo pano de fundo para continuar a discussão.
        Vamos lá. Você disse que “À medida que o campo social se distribui, toda instituição que seja um bloqueio de fluxos terá mais dificuldade de se manter” e traduziu isso como “o aumento da conectividade e interatividade”. Concordo que esse aumento é exponencial.
        A pergunta: esforços distribuídos são capazes de concorrer em prazo, custo e qualidade com organizações tradicionais, hierarquizadas? Não fossem essas organizações tradicionais, teríamos conseguido nos defender de forças invasoras, criar os microchips, chegar à lua, massificar os automóveis?
        Ou devemos parar de falar em substituição dos modelos tradicionais pelos distribuídos, entendendo que estas discussões todas são necessárias apenas para entendemos o fenômeno das mobilizações coletivas espontâneas, sem a pretensão de dar a elas um papel na Economia?

        • augustodefranco

          Transição não é substituição, Marcelo Yamada. Nunca se trata de colocar uma coisa no lugar da outra. O que chamamos de economia (você escreveu a palavra com E maiúsculo, o que lembra aqueles discursos que escrevem história com H maiúsculo…) é apenas uma maneira de olhar os fluxos em sistemas onde há escassez (em geral produzida artificialmente para reproduzir um determinado modo de vida). É claro que o aumento dos graus de distribuição causa impacto na vida social (como o chamado pensamento econômico – a ideologia que na língua inglesa se chama Economics – vai tentar explicar isso não é muito relevante, porque agora estamos precisando mais de ciência mesmo do que de ideologia). O aumento da distribuição, da conectividade e da interatividade gera outros fenômenos que a economia (uma abordagem que só nasceu quando alguns investigadores se espantaram com o fenômeno do crescimento) nunca suspeitou. E ademais gera uma nova compreensão do funcionamento da sociedade, que não pode ser baseado naquela ideia primária de que o comportamento coletivo pode ser inferido do comportamento dos indivíduos e que os indivíduos se movem, basicamente, fazendo escolhas racionais – ou manifestando preferências individuais – que tendem a maximizar a satisfação de seus interesses que são ao fim e ao cabo egotistas: como você pode ver isso pode ser tudo, menos ciência, aliás, a estrutura do discurso se assemelha à de uma religião, pois tudo está baseado na premissa de que os seres humanos são inerentemente competitivos – o que nunca pôde, nem poderá, ser validado pela ciência, por falta de evidências. Do contrário não teríamos chegado até aqui como seres que fazem coisas gratuitas: a carícia, o sexo frontal, o compartilhamento de alimentos, o linguagear e o conversar – enfim, a cooperação que nos constituiu como humanos. Várias economias (talvez fosse melhor dizer, ecologias) surgirão com o aumento vertiginoso do número de caminhos. E várias tecnologias serão criadas para responder às novas possibilidades sociais. Quem cria tecnologias não é a empresa tradicional (hierárquica). Para dar um exemplo, a internet jamais teria sido criada – com uma característica interativa – se não houvesse a possibilidade social da sua criação. As tecnologias também não são criadas pela economia (a economia é uma tentativa de explicação, não uma fonte heurística) e sim por pessoas que vivem em determinadas configurações que permitem a sua criação.

        • Marcelo, não é uma substituição, e sim uma transição (com sobreposição).

          Veja, amigo, não creio que as estruturas hierárquicas vão desaparecer logo. Só acho que haverá cada vez mais espaço para outras configurações e outras maneiras de fazer as coisas.

          Sobre sua pergunta: “esforços distribuídos são capazes de concorrer em prazo, custo e qualidade com organizações tradicionais, hierarquizadas?”. Em muitos casos a resposta certamente é “sim”. Em outros casos, “não”. Em outros ainda, “depende”.

          Também podemos fazer a pergunta inversa: sem esforços distribuídos e em rede, sem polinização de saberes, seria possível fazer qualquer uma dessas coisas que você citou? Certamente não.

          A rede é mais uma condição de fundo. Mesmo o que uma organização hierárquica realiza, ela o faz privatizando recursos criados em rede. Mas parecemos esquecer disso. Queremos justificar as organizações hierárquicas, se não com argumentos moralistas, ao menos pelas suas vantagens “práticas”. Olhamos para a realização de uma instituição hierárquica, mas esquecemos de todo o campo social que tornou aquilo possível. Do mesmo modo, adoramos elogiar gênios individuais ocultando as influências em rede que todos sofreram até fazer uma descoberta ou invenção.

          Claro que é mais fácil realizar algumas coisas por meio de estruturas hierárquicas — sobretudo quando o campo social circundante está distorcido pela hierarquia. No entanto, nada indica a impossibilidade de se realizar até os maiores prodígios tecnológicos de forma distribuída. Existem muitas opiniões nesse sentido, mas sempre baseadas em intuições do senso comum sobre como as pessoas e as sociedades funcionam — crenças que estão caindo por terra diante de várias evidências científicas.

          Talvez as organizações hierárquicas sejam a formas mais eficiente de produzir certos tipos de resultados, principalmente os que envolvem comportamentos repetitivos e controle sobre a liberdade das pessoas. No entanto, cada vez mais esses resultados serão melhor desempenhados por máquinas e sistemas digitais.

          Assim, os humanos podem ser liberados para fazer coisas tipicamente humanas, como criar, inventar, descobrir, imaginar, investigar, colaborar, dar sentido… E nada favorece tanto esse tipo de “resultado” como redes livres e distribuídas de convivência.

          Faz sentido?

          • Alias, pensando numa perspectiva de rede para a economia, lembrei desse vídeo. Tenho alguns pontos de discordância com o Matt Ridley, mas fica aí pra aquecer a conversa. 😉

            https://www.youtube.com/watch?v=-S5bHRacvu0

          • Marcelo Yamada

            Você disse algo muito importante que justifica plenamente toda esta discussão: a automação usurpará grande parte das tarefas no ambiente de trabalho. Caberá aos humanos fazer o que humanos saibam fazer – por pura disponibilidade. E desse exercício de atuação em rede poderá surgir o novo papel da humanidade na economia. Dramático, mas interessante.

  • Marcelo Yamada

    Se (a título de exemplo) uma organização (uma empresa ou entidade) está há tanto tempo organizada hierarquicamente a ponto de entender a estrutura hierárquica como um componente fundamental de sua identidade corporativa, a atuação em rede (distribuída, não centralizada) pode parecer suficientemente diferente para se dizer que “uma empresa assim não é a nossa empresa “, daí a necessidade de uma transformação – uma transição. (Caso o cenário de atuação distribuída pareça atraente, é claro.)
    Se não devemos chamar esse movimento de “transição de um tipo de organização para outro tipo de organização “, como podemos chama-lo?

    • augustodefranco

      Sim, é de uma transição organizacional mesmo que se trata. E essa transição nada mais é do que desobstrução de fluxos.

      • Cris Kruel

        Augusto, eu aposto que a maioria das pessoas não entende que um organograma é um tipo de rede centralizada/hierarquizada. Para a maioria das pessoas uma rede lembra um teia, e os diagramas de Baran seriam reconhecidos como redes.

        Mas, se pedirmos para 100 CEOs desenharem suas empresas, 99 vão desenhar
        organograma top-down. Mas se alguém desenhar a empresa deles no futuro, no formato de uma rede altamente distribuída eles vão entender como “um novo tipo de organização”.

        Quando uma rede muda sua topologia, ela não está se “re-organizando”?

    • ORGANIZAÇÕES E FLUXOS

      Marcelo e Cris Kruel, vamos partir da seguinte macrovisão:

      Imagine todo o conjunto de interações humanas como uma teia dinâmica que cobre o planeta Terra, com bilhões de filamentos se movendo, surgindo e desparecendo. Se não houvesse hierarquia, poderíamos imaginar essa rede toda distribuída. Nesse cenário, o que seria então uma organização? Difícil dizer. Mas talvez fosse uma micro-região, desse grande campo, onde se constelam algumas interações num padrão recorrente por determinado tempo. Algo como um redemoinho em um rio: algo que ainda é a rede (o rio), mas que também se pode identificar como uma organização temporária, um padrão reconhecível desse fluxo. Lembre: rede distribuída não significa rede homogênea, então vão existir regiões do campo interativo com maior concentração de nodos e conexões (tudo que interage livremente clusteriza).

      Agora, nessa representação, o que seria uma organização hierárquica? Em primeiro lugar, ela é uma distorção do campo interativo básico que caracteriza a convivência humana, cujo padrão é distribuído (assim como de todas as redes naturais — biológicas ou físicas). A hierarquia deforma esse campo interativo ao obstruir caminhos e (o que é basicamente mesma coisa) criar fronteiras identitárias opacas entre regiões “de dentro” e “de fora”. Não é mais um redemoinho. Tem mais cara de uma cisterna, com tubos que trazem e levam água de forma controlada e rígida, que condiciona o fluxo “externo” que entra e o fluxo “interno” que se movimenta em caminhos pré-definidos, em quantidades controladas. Ao contrário de um redemoinho (ou de uma célula), cuja organização se dá pelo próprio fluir, uma cisterna tem uma organização fixa, de baixíssima alostase (capacidade de mudar congruentemente com as mudanças do entorno).

      Agora apliquemos essa metáfora às organizações hierárquicas. Elas podem reduzir a hierarquia e os bloqueios de fluxo? Por certo que sim. Pode haver uma aumento de flexibilidade interna que não comprometa a “identidade corporativa” (pra usar a expressão que o Marcelo empregou).

      Porém, pra mim parece claro que, se esse processo de distribuição e desbloqueio de fluxos se aprofundar o suficiente, chegamos a um ponto crítico. Aquilo que reconhecíamos como uma organização deixará de existir. Ou seja, os fluxos vão gerar novas congruências imprevisíveis surgidas da interação. Se a organização gera coisas relevantes para as pessoas, sua função será desempenhada de outro modo — por exemplo, como um ecossistema de pequenos empreendimentos.

      Digamos que seja uma instituição de ensino tipo escola-universidade. Se você tirar a hierarquia e fronteira identitária, essa instituições desabam. Mas a necessidade de ambientes de troca e aprendizagem continuará viva nas pessoas. Então certamente surgirão muitas formas (em rede) pelas quais as pessoas atenderão a essa necessidade ou desejo: se multiplicação cursos livres dos mais variados assuntos; grupos espontâneos de estudo, pesquisa e prática; busca, compartilhamento e polinização de todo tipo de conhecimento, facilitado pela internet ou outros mídias favoráveis à interação distribuída.

      Aliás, isso já acontece! Estamos falando de transição, e não de substituição. Vai tudo acontecer junto, sobreposto. Enquanto as escolas-universidades continuam firmes e fortes, clusters de aprendizagem livre vão emergir em outras regiões da rede. Enquanto corporações hierárquicas vão continuar existindo, a peer-production vai ganhar espaço à medida que meios produtivos distribuídos se disseminam (como impressoras 3D e tecnologias do tipo).

      À medida que o campo social se distribui, toda instituição que seja um bloqueio de fluxos terá mais dificuldade de se manter. Surgirão muitas alternativas a ela. Com o aumento da conectividade e interatividade, as pessoas vão descobrir outras formas de se relacionar, aprender, criar e produzir. Isso muda tudo.