O que você precisa saber sobre redes | Módulo 16

Módulo 16

Atenção: você vai ler abaixo um texto provocativo, elaborado para estimular a conversação. Você não precisa concordar necessariamente com o conteúdo do texto provocativo e sim ficar atento às suas indagações. Todas as referências bibliográficas serão fornecidas oportunamente.

Será? É possível isso considerando que hierarquia é centralização e rede é distribuição (segundo a convenção adotada aqui, ou seja, segundo a qual chamamos de rede às configurações interativas com topologia mais distribuída do que centralizada)?

Fazendo a mesma pergunta de outra forma: aranhas podem gerar estrelas-do-mar?

No velho mundo fracamente conectado dos milênios passados erigia-se sempre uma hierarquia para realizar qualquer mudança social, assim no que era chamado de ‘a sociedade’ como em qualquer organização particular. Diante dos sinais de que a estrutura e a dinâmica das sociedades estavam adquirindo, cada vez mais, as características de uma rede, os chefes de organizações hierárquicas começaram a tentar fazer reengenharias para se adequar à mudança. O primeiro impulso foi o de controlar as redes sociais (em geral confundidas com as mídias sociais) para usá-las de acordo com seus velhos propósitos: para ter mais influência, para ter mais votos, para vender mais, para extrair mais sobrevalor dos funcionários, para derrotar mais facilmente a concorrência ou os inimigos. Isso, entretanto, não aumentou a capacidade de adaptação das organizações hierárquicas porque o problema não estava em descobrir uma nova combinação dos seus recursos materiais e organizacionais, humanos e sociais e sim na sua própria natureza de organização hierárquica.

Novos departamentos hierárquicos encarregados de adequar a organização às novas possibilidades que iam se tornando disponíveis em uma sociedade em rede (nuvens de computação, plataformas interativas, trabalho remoto, marketing viral, sistemas de co-working e co-creation voltados à inovação, peer production, crowdsourcing, crowdfunding etc) não foram capazes de atingir o coração do problema, que é o seguinte: em uma sociedade em rede as organizações também devem ser redes. Fica faltando sempre um... crowdweaving. Porque o problema é: como fazer a transição de pirâmide (mainframe) para rede (network)?

Mas é inútil erigir uma hierarquia para realizar a transição de uma organização piramidal para uma organização em rede. Aranhas não podem gerar estrelas-do-mar, para usar as boas metáforas de Brafman e Beckstrom (2006) no livro Quem está no comando? A estratégia da estrela-do-mar e da aranha: o poder das organizações sem líderes. Deveria ser óbvio, tautológico ou quase. Se queremos redes devemos articular redes, não erigir hierarquias. Semente de rede é rede.

Desistam os que pretendem fazer isso: uma hierarquia não pode gerar uma rede.

A manutenção das hierarquias não ocorre em função de qualquer discordância consciente das redes por parte dos agentes de um sistema hierárquico. Uma vez erigidas, as hierarquias tendem a se manter e reproduzir por força de circularidades inerentes às suas interações recorrentes. É uma espécie de mecanismo de segurança do sistema contra sua dissolução. É uma maneira de se proteger do caos representado pela ausência de ordem top down. É uma forma de ficar do “lado de fora” do abismo, posto que cair no abismo é o maior temor de toda estrutura mais centralizada do que distribuída.

Que tipo de abismo seria esse? E por que as pessoas, nas organizações hierárquicas, têm tanto medo de cair nele?

  • augustodefranco

    Ainda estamos recolhendo material para elaborar o book, levando em conta as interações de todos. Teremos, além disso, as referências bibliográficas. E o hangout amanhã às 19h. Vai ser na página: http://redes.org.br/25mitos-01-hangout/

  • Ana Lucia Procopiak

    Organizações hierárquicas são estruturas de comando, estabilidade e controle.Jogar-se no abismo é entregar-se ao descontrole, ao desconhecido, ao imprevisível, correndo o risco de esborrachar-se e a perder as certezas e limites. Cair no abismo e descobrir um ‘País das Maravilhas’, onde conceitos são revirados todo o tempo, numa rede interminável de relações, invenções, ‘desinvenções’, no caos das interações, como no poema de Manoel de Barros:

    Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

    Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

  • Marcia Borges

    Acredito em: 1) Mecanismos de mal uso de mídia : hoje as pessoas seque pensam e repetem muito o que lêem/ouvem/murmuram e acabam criando uma profecia que se autocumpre com notícias distorcidas e não fatos.
    2) Tempo reduzido para adaptações: à medida que as instituições hierárquicas foram permeando a sociedade por diversos mecanismos, muito do tempo foi solapado. Percebi como o tempo é mal utilizado nas organizações ao longo dos anos, automatizando mente/corpo/cérebro e reações. Para mudança é preciso saber que é possível e criar espaços para essa possibilidade ser absorvida/apreendida. Não estou conseguindo enxergar essa dinâmica nas organizações.

    3)Desconfiança do processo. Aí a imagem que mais me vem na mente é a do Indiana Jones e a Ùltima Crusada 🙂
    https://www.youtube.com/watch?v=xFntFdEGgws

  • Marcia

    Acredito em: 1) Mecanismos de mal uso de mídia : hoje as pessoas seque pensam e repetem muito o que lêem/ouvem/murmuram e acabam criando uma profecia que se autocumpre com notícias distorcidas e não fatos.
    2) Tempo reduzido para adaptações: à medida que as instituições hierárquicas foram permeando a sociedade por diversos mecanismos, muito do tempo foi solapado. Percebi como o tempo é mal utilizado nas organizações ao longo dos anos, automatizando mente/corpo/cérebro e reações. Para mudança é preciso saber que é possível e criar espaços para essa possibilidade ser absorvida/apreendida. Não estou conseguindo enxergar essa dinâmica nas organizações.

    3)Desconfiança do processo. Aí a imagem que mais me vem na mente é a do Indiana Jones e a Ùltima Crusada 🙂
    https://www.youtube.com/watch?v=xFntFdEGgws

  • Fatima Melca

    Isso me lembra a web 1.0, ou mesmo quererem usar o audio de videos em programas de rádio. Não dá. Me vem na lembrança a carta de tarot “a Torre”. Vão tentando dar jeitinho, remendando, até que não dá mais.Têm momentos que os incrementos não atendem mais as novas exigências . É preciso mudar. Deixar emergir. Mudar o padrão. O abismo seria o reino de possibilidades infinitas, de caminhos abertos, de conexões, de sinapses. Me parece, que é o medo da incerteza, do novo, da mudança, da quebra de barreiras. Estamos na contemporaneidade, sistemas complexos, infinitos… não vamos conseguir atender às novas exigencias, usando os padrões que estavamos acostumados. Do Lápis ao Touch. As pessoas que têm medo de mergulhar no abismo, devem ser aquelas que têm medo do diferente, que se recusam a ir por outro caminho do que estão habituadas, que acreditam que são donas de algum saber, pessoas que só sabem fazer uma coisa. Sim, acho que elas tem razão de ter medo, mas deveriam começar a desfazer esse medo de uma modo mais simples. Começando a experimentar a interagir, compartilhar vivencias, participar de roda de conversas, pois o mundo está toda hora nos convidando a mudar, a fazer diferente. Antes o que aprendiamos na universidade nos valia pela vida toda. Agora? Tudo muda tão rapido, que precisamos estar sempre aprendendo, compartilhando o que sabemos e aprendendo com as nossas redes.

  • Fatima Melca

    Isso me lembra a web 1.0, ou mesmo quererem usar o audio de videos em programas de rádio. Não dá. Me vem na lembrança a carta de tarot “a Torre”. Vão tentando dar jeitinho, remendando, até que não dá mais.Têm momentos que os incrementos não atendem mais as novas exigências . É preciso mudar. Deixar emergir. Mudar o padrão. O abismo seria o reino de possibilidades infinitas, de caminhos abertos, de conexões, de sinapses. Me parece, que é o medo da incerteza, do novo, da mudança, da quebra de barreiras. Estamos na contemporaneidade, sistemas complexos, infinitos… não vamos conseguir atender às novas exigencias, usando os padrões que estavamos acostumados. Do Lápis ao Touch. As pessoas que têm medo de mergulhar no abismo, devem ser aquelas que têm medo do diferente, que se recusam a ir por outro caminho do que estão habituadas, que acreditam que são donas de algum saber, pessoas que só sabem fazer uma coisa. Sim, acho que elas tem razão de ter medo, mas deveriam começar a desfazer esse medo de uma modo mais simples. Começando a experimentar a interagir, compartilhar vivencias, participar de roda de conversas, pois o mundo está toda hora nos convidando a mudar, a fazer diferente. Antes o que aprendiamos na universidade nos valia pela vida toda. Agora? Tudo muda tão rapido, que precisamos estar sempre aprendendo, compartilhando o que sabemos e aprendendo com as nossas redes.

  • Cris Kruel

    Acho que quando um novo (alguém) conquista o poder de definir como os outros nodos interagem então este nodo não quer largar o osso.

    • Cris Kruel

      Infelizmente, observando os acontecimentos, realizações e fracassos, temo ter que aceitar que a expressão do Mito #16 – por mais desconforto que cause – possa ser correta.

      • augustodefranco

        O que é correta, Cris?

    • Quando um nodo da rede é capaz de definir como os outros nodos interagem (ou não interagem), isso já é sinal de hierarquização presente, Cris.

      Então, se eu entendi bem, você acha que precisamos de um pouco de hierarquia para nos proteger da… hierarquia? Parece um pouco circular esse raciocínio.

      O que você acha?

  • Cris Kruel

    Acho que quando um novo (alguém) conquista o poder de definir como os outros nodos interagem então este nodo não quer largar o osso.

    • Cris Kruel

      Infelizmente, observando os acontecimentos, realizações e fracassos, temo ter que aceitar que a expressão do Mito #16 – por mais desconforto que cause – possa ser correta.

      • augustodefranco

        O que é correta, Cris?

        • Cris Kruel

          Desculpe por não ter facilitado:Talvez o segredo seja saber combinar a dose certa de rede (neste caso, a rede distribuída) e a hierarquia (rede centralizada).

    • Quando um nodo da rede é capaz de definir como os outros nodos interagem (ou não interagem), isso já é sinal de hierarquização presente, Cris.

      Então, se eu entendi bem, você acha que precisamos de um pouco de hierarquia para nos proteger da… hierarquia? Parece um pouco circular esse raciocínio.

      O que você acha?

  • Marcelo Yamada

    A atual ordem social é ditada pela mecânica de funcionamento das organizações (hierarquizadas), que por sua vez influenciam o funcionamento do mercado de trabalho, do sistema de ensino e as relações familiares e de amizade. Essa mecânica prevê hierarquias (por motivos diversos), declaração de visão/missão, objetivos a serem perseguidos, mecanismos de acompanhamento e controle e mecanismos de desenvolvimento profissional, recompensa e punição.
    O abismo, me parece, é a perspectiva de ter que passar compulsoriamente a atuar sem toda essa estrutura e mecanismos de reforço.
    Creio que se pudermos explicar a todos os envolvidos como conseguiremos produzir progresso tecnológico e bem-estar em um cenário de atuação puramente distribuída, o medo deixará de existir.

    • Marcelo,

      Acho que acabei respondendo parte disso na minha resposta a você no módulo 15. Reproduzo aqui a parte final.

      Complementando, me parece que:
      1) Não haverá substituição, e sim transição (com co-existência de formas mais hierárquicas e mais distribuídas);
      2) Ninguém precisa “compulsoriamente” se desapegar dos elementos que você citou; ao contrário, eles é que são introduzidos compulsoriamente em nossa vida desde a infancia, não é?
      3) Não creio que seja possível mudar o comportamento das pessoas pelo convencimento sobre redes, ou explicando discursivamente como as coisas podem “funcionar” em rede. Parece que a única coisa que realmente tem impacto nas pessoas é a experiência direta com estruturas mais distribuídas. Como experiências em rede tendem a se tornar mais comuns em todos os campos, isso talvez reduza resistências. Não estou certo disso.

      – – –
      [copiando aqui o trecho que outra resposta]

      “Porém, pra mim parece claro que, se esse processo de distribuição e desbloqueio de fluxos se aprofundar o suficiente, chegamos a um ponto crítico. Aquilo que reconhecíamos como uma organização deixará de existir. Ou seja, os fluxos vão gerar novas congruências imprevisíveis surgidas da interação. Se a organização gera coisas relevantes para as pessoas, sua função será desempenhada de outro modo — por exemplo, como um ecossistema de pequenos empreendimentos.

      Digamos que seja uma instituição de ensino tipo escola-universidade. Se você tirar a hierarquia e fronteira identitária, essa instituições desabam. Mas a necessidade de ambientes de troca e aprendizagem continuará viva nas pessoas. Então certamente surgirão muitas formas (em rede) pelas quais as pessoas atenderão a essa necessidade ou desejo: se multiplicação cursos livres dos mais variados assuntos; grupos espontâneos de estudo, pesquisa e prática; busca, compartilhamento e polinização de todo tipo de conhecimento, facilitado pela internet ou outros mídias favoráveis à interação distribuída.

      Aliás, isso já acontece! Estamos falando de transição, e não de substituição. Vai tudo acontecer junto, sobreposto. Enquanto as escolas-universidades continuam firmes e fortes, clusters de aprendizagem livre vão emergir em outras regiões da rede. Enquanto corporações hierárquicas vão continuar existindo, a peer-production vai ganhar espaço à medida que meios produtivos distribuídos se disseminam (como impressoras 3D e tecnologias do tipo).

      À medida que o campo social se distribui, toda instituição que seja um bloqueio de fluxos terá mais dificuldade de se manter. Surgirão muitas alternativas a ela. Com o aumento da conectividade e interatividade, as pessoas vão descobrir outras formas de se relacionar, aprender, criar e produzir. Isso muda tudo.”

  • Marcelo Yamada

    A atual ordem social é ditada pela mecânica de funcionamento das organizações (hierarquizadas), que por sua vez influenciam o funcionamento do mercado de trabalho, do sistema de ensino e as relações familiares e de amizade. Essa mecânica prevê hierarquias (por motivos diversos), declaração de visão/missão, objetivos a serem perseguidos, mecanismos de acompanhamento e controle e mecanismos de desenvolvimento profissional, recompensa e punição.
    O abismo, me parece, é a perspectiva de ter que passar compulsoriamente a atuar sem toda essa estrutura e mecanismos de reforço.
    Creio que se pudermos explicar a todos os envolvidos como conseguiremos produzir progresso tecnológico e bem-estar em um cenário de atuação puramente distribuída, o medo deixará de existir.

    • Marcelo,

      Acho que acabei respondendo parte disso na minha resposta a você no módulo 15. Reproduzo aqui a parte final.

      Complementando, me parece que:
      1) Não haverá substituição, e sim transição (com co-existência de formas mais hierárquicas e mais distribuídas);
      2) Ninguém precisa “compulsoriamente” se desapegar dos elementos que você citou; ao contrário, eles é que são introduzidos compulsoriamente em nossa vida desde a infancia, não é?
      3) Não creio que seja possível mudar o comportamento das pessoas pelo convencimento sobre redes, ou explicando discursivamente como as coisas podem “funcionar” em rede. Parece que a única coisa que realmente tem impacto nas pessoas é a experiência direta com estruturas mais distribuídas. Como experiências em rede tendem a se tornar mais comuns em todos os campos, isso talvez reduza resistências. Não estou certo disso.

      – – –
      [copiando aqui o trecho que outra resposta]

      “Porém, pra mim parece claro que, se esse processo de distribuição e desbloqueio de fluxos se aprofundar o suficiente, chegamos a um ponto crítico. Aquilo que reconhecíamos como uma organização deixará de existir. Ou seja, os fluxos vão gerar novas congruências imprevisíveis surgidas da interação. Se a organização gera coisas relevantes para as pessoas, sua função será desempenhada de outro modo — por exemplo, como um ecossistema de pequenos empreendimentos.

      Digamos que seja uma instituição de ensino tipo escola-universidade. Se você tirar a hierarquia e fronteira identitária, essa instituições desabam. Mas a necessidade de ambientes de troca e aprendizagem continuará viva nas pessoas. Então certamente surgirão muitas formas (em rede) pelas quais as pessoas atenderão a essa necessidade ou desejo: se multiplicação cursos livres dos mais variados assuntos; grupos espontâneos de estudo, pesquisa e prática; busca, compartilhamento e polinização de todo tipo de conhecimento, facilitado pela internet ou outros mídias favoráveis à interação distribuída.

      Aliás, isso já acontece! Estamos falando de transição, e não de substituição. Vai tudo acontecer junto, sobreposto. Enquanto as escolas-universidades continuam firmes e fortes, clusters de aprendizagem livre vão emergir em outras regiões da rede. Enquanto corporações hierárquicas vão continuar existindo, a peer-production vai ganhar espaço à medida que meios produtivos distribuídos se disseminam (como impressoras 3D e tecnologias do tipo).

      À medida que o campo social se distribui, toda instituição que seja um bloqueio de fluxos terá mais dificuldade de se manter. Surgirão muitas alternativas a ela. Com o aumento da conectividade e interatividade, as pessoas vão descobrir outras formas de se relacionar, aprender, criar e produzir. Isso muda tudo.”